Diarréia em Verona
Crônica sobre a estréia de uma montagem de Romeu e Julieta, feito por um grupo do interior de SC
Poderia ser qualquer data, mas para tragédia e sucesso não há dia marcado. Poderia ser qualquer horário, mas para imprevistos e boas surpresas o tempo estaciona ou corre sem destino... E por falar em destino o nosso para aquela estréia de Romeu e Julieta estava muito bem escrito: com fonte verdana, em Caps Lock, negrito, sublinhado, e itálico, tamanho vinte, e ainda destacado de marca texto fluorescente!... Era pra ser, não tinha erro, o que tivesse de acontecer, aconteceria. O que era pra ser seria, e foi!
Todo dia começa igual, mas aquele com certeza foi diferente pra todo mundo, meu relógio de pulso e meus olhos pareciam que tinham imãs, pois não queriam se desgrudar. Logo pela manhã, o nervosismo, a ansiedade, friozinho na barriga, suspense, e não aquele suspense gostoso que te deixa distraído, ligadão, mas aquele tão forte que chega a ser chato! Mas apesar dos sentidos contra só caí na realidade às 3 da tarde daquele dia... Um dezoitão de agosto. O sol cuspindo fogo lá fora, depois de tanta água desabar. Eu sozinho em casa ouvindo música e escrevendo uma peça de teatro, foi então que ouvi aquela buzina, aconteceu aquele transmimento de pensação: Tá na hora!!!
Fiquei em dúvida se era mesmo a combi da Grasi, ou aquele carro que troca uma bola de plástico por uma panela de pressão, porque tava tão colorida!!! Cheio de vestido pendurado no vidro, oh loucura! E pensando bem, antes tivesse ficado rosa chock e verde limão até o final da viagem, do que cinza no meio da volta, não só pela fumaça, mas também pela cabeça de certas pessoas.
Saindo da minha casa, o carro, quer dizer, a combi, 2 toneladas mais pesada devido a minha mala, passou na casa da mana, onde a mãe da Renata chamou a Grasi de barbeira. Depois no João Paulo, na Morgana, daí uma paradinha no “Cruz e Sousa” pra rodar ingressinho na esquina, e farmácia do Sr. Capuletto. Entram Marroco e Rafael, este último com sua escova muito bem feita: “Imaginem como apoiou a delicada escova sobre o delicado cabelo”. Ri tanto do cabelo dele, que paguei feio minha língua horas mais tarde, nem imaginava passar pela mesma situação: “Ai de mim!”.
Todos prontos podemos ir, O Ismael, a Maia e a mãe dela no carro dele mais tarde, O Álvaro também, partiam naquele momento: eu, a Grasi, mana, João, Rafa, Morgana, Marroco, e Fernando...Ihhh, o Fernando! Graças ao João teve Mercuccio e Páris em Itajaí. No caminho nada ficou pelo caminho, exceto dois cartazes rebeldes que estavam a fim de pegar BR sozinhos: “Criaturas desobedientes!” Os cartazes que a Grasi passou tanto trabalho pra colocar na lataria do carro, quer dizer, da combi. E o que quase ficou também foi a sacada dos Capuletto, que quase quebrou o vidro de trás. E depois ainda querem que eu, um Montecchio, seja amigo daquela gente, que tem como sacada do quarto da filha uma escada! Mas tenho um bom coração, e sei perdoar as pessoas, pois fui eu quem emprestou a escada.
Daí em diante foi só a Grasi muito bem concentrada, querendo passar texto, ouvir rádio e dirigir ao mesmo tempo. As tentativas frustradas do Marroco de fazer a mana ficar um minuto sem rir... Foi impossível! “Por minha santa ordem, era muito importante que esta proesa chegasse a ser conquistada, este sucesso imprevisto traria importantes conseqüências”.
1, 2, 3 voltas pela quarteirão da Casa da Cultura Dide Brandão, e nada de estacionamento. “Sorriam os céus a este sagrado veículo para que em tempos futuros a consciência não comece a pesar”. Chegando no local da peça, antigo foco de espetáculos de Itajaí, nos deparamos com a realidade da decadência. “Pode o céu ser tão cruel? O céu não pode, embora este minúsculo palco possa”. Colocando as cortinas, o que é aquilo? Mais um refletor estragado? Uma lagartixa pendurada o teto? Não, é o Rafael colocando o trilho no corredor. Me pediram pra segurar a escada: “Eu até seguro, mas a verdade é que to me mijando todo!” A vontade era tanta que chegou a ficar trancado no banheiro. Após o resgate da pessoa, fizemos um lanchinho, e começou a sessão de maquiagem e figurino. Ali foi provado o espírito de equipe, a dedicação, a amizade, união. Cueca pra todo lado, de todas as cores: “Por São Francisco de Assis, vocês atores não tem vergonha nem com as calças na mão!” Coques e tranças nos cabelos, rugas e marcas de expressão, e ainda tocando no assunto do cabelo... (Argh, risos). Nos preparativos pra começarmos, fui de novo ao banheiro, fui de novo ficar trancado! “Tenha paciência meu filho, o mundo é vasto, este banheiro é que não é muito espaçoso! E estás sendo ingrato com a sua sorte, pois segundo as leis poderias ficar ali dentro até morrer!” ... “ E o que aconteceu, esteve sumido a noite toda?”... “Ai de mim!”
Antes de entrar em cena, pudemos dar uma espiada pelas fendas do pano preto, conferimos a multidão: platéia lotada, gente fazendo fila nos corredores pra entrar, nem o baile de máscaras daquele asqueroso do Capuletto dá tanta gente! Não fossem as famílias tijuquenses, em especial a da Morgana que “ama” ir assisti-la, nem sei o que faríamos! “Verdadeiramente por Deus, estas santas pessoas devem ser reverenciadas e agradecidas publicamente!” Desejada muita merda a todos, a caganeira começou, não caganeira porque não deu certo, mas sim no sentido do teatro, de coisas boas que aconteceram, que fomos bem e deu certo. No palco várias faculdades: senhora Capuletto, pós-graduada em soluções matrimoniais. Sr. Montecchio concluindo mestrado em cara-de-pau. Pois teve a coragem de dizer: “Quem foi o responsável por despertar essa antiga briga? Diga-me sobrinho, ela começou em sua presença?” Tá querendo enganar a quem o charlatão? O público todo viu tu lá no rolo, era o primeiro na ponta do palco! Benvólio um ótimo legista: “Está ferido?”. “Sim, não está vendo?” O cara é tão bom, que quem dá a constatação de morte é o próprio cadáver. A ama realizando muito bem a área da comunicação, excelente jornalista, sempre cobrindo todos os fatos, levando a notícia na íntegra, pena não ser muito boa cozinheira, e quase matar os bingueiros de pressão alta! Frei João se mostrou uma negação como menino de recados, Frei Lourenço precisa ter umas aulas de dança, e voltar para o seminário, pois parece que esqueceu tudo que aprendeu por lá, também tá precisando de um bom xampu pra lavar o que restou do cabelo dele! Sr. Capuletto louco pra desencalhar a filha. Páris louco pra tirar o atraso, Julieta sempre com uma peça da moda no seu guarda-roupa, sem falar na coleção de adagas, e que quando a infeliz morre ainda mexe o braço e abre o olho, até parece o Magaiver, ou o Chuck, o boneco assassino, que você extermina de todas as formas e continua vivo! Verona precisa de um especialista em coluna vertebral, pra ver se conseguem eliminar a epidemia de dor nas costas que anda por lá, é Frei, ama, feiticeira... Nunca vi tanta gente andando torto... Até o Paris com dor nas costas, mas se bem que o Páris a gente entende os motivos.
Enterro, aplausos, parabéns! Provada mais uma vez o espírito de equipe, a força da união, pois no final quando pensei em tirar a roupa do Frei pra colocar a de Montecchio, já estavam a Maia e o João agarrados em mim, praticamente cometendo estupro! Sessão de fotos, sessão de cuecas, e antes de ir embora me deu vontade de ir ao banheiro... Mas deixa quieto!
Não sei por que, mas não conseguia tirar o frei da minha cabeça. “Oh bendita noite, mais parece um pesadelo do qual não via a hora de acordar!” Eu todo cinza, cabelo, mão, unha, orelha! Yucu... Yucumã é o nome da Pizzaria que fomos comemorar, e não tinha um filho da mãe que não ficasse me olhando atravessado, “Será que é atração do restaurante? Um homem de lata, que criativo! Ao menos se idoso tivesse desconto... Voltamos ao carro, quer dizer, a combi, e a correia do Páris soltou, ah desculpa, a correria da combi! Fumaça, cheiro de queimado, O João Paulo de cara no vidro quando viu aquela nuvem subindo no lado de fora. Cena típica de filme de terror: Carro, quer dizer, combi, parado na BR, meia-noite, um monte de gente animada esperando ajuda, aquela hora deu uma saudade de ficar trancado no banheiro, bem protegidinho. “Estende teu véu noite protetora do horror, e pousa aqui pra nos salvar um disco voador”. Mas parece que um óvni já tinha passado por ali, pois pra acharem o carro, quer dizer a combi, era só procurar um alienígena na beira da estrada.
Veículo consertado continuamos, a 5 km por hora, mas continuamos! Chegamos em Tijucas vivos, só nós, a combi não. Segundo a ligação de alguém da equipe de reforço que estava na traseira dando cobertura, a correia tinha soltado de novo, mas nem deu cheiro de queimado... Também pudera, o Páris agora tava em outro carro. E o mais incrível foi a tranqüilidade do nosso diretor em receber a notícia. Chegou então o reforço do Capuletto, pra fazer o frete; a combi não dormiu em casa, quase que outras pessoas também não dormem! “Ai que dia! Quem jamais teria imaginado?” E a estréia foi assim, eu cheguei em casa, e esqueci de “coisas” , fui dormir, mas aí pintou aquela vontadezinha de ir no banheiro, aquela ainda lá de Itajaí, e que no Yucú não deu, porque esqueci. E na volta pra cama que vi o travesseiro prateado, pensei: “Que fronha mais alucinante, parece até... Puta merda! O meu cabelo!” Fui tomar banho as 3 da manhã, tirei o reboco da cara, desencarnei o homem de lata, desencarnei não, melhor: desencabelei! Tinha uns barulhos estranhos em casa, tudo muito silencioso, só os barulhos incomodando, eu morto de medo, se aparecesse alguma coisa, escorregava na espuma e entrava no ralo, quem sabe um E.T. tivesse me seguido, querendo me seqüestrar e me levar de volta pra minha terra natal.
Mas não deu nada, o dia já tinha fechado pra mim, pra nós. O dia da combi maldita, com destino á Medonholândia, primeira parte. Pode não ser um Mercedes, ou Audi, mas foi o que nos levou, e por pouco também não trouxe. A caravana dos artistas, aquela que não é coração de mãe, mas também tá sempre pronta pra o que der e vier, e sempre cabe mais um. E por falar em coração, descobri que ator não tem problema cardíaco, o coração já é tão bem treinado durante as apresentações, dias antes, minutos antes, pela ansiedade, nervosismo, que qualquer infarto é moleza! E foi ótimo: a atuação, a dedicação, descobri que de prata ali era só meu cabelo, porque todo pessoal é de ouro, é pra ficar na história, com direito a um “pra sempre, e inesquecível”.
Descobri que a Janus não tem elenco, tem constelação, porque todo mundo é estrela, e tá alto de orgulho, no céu. O único problema de ser estrela é ter que instalar uma privada nas nuvens pra poder mandar pela descarga essa diarréia!