O preconceito é brasileiro, texto 2 (continuação)
Para encerrar, resolvi fazer uma retrospectiva das minhas vivências, focando em observar se experimentei desse contexto. Afinal essa mania de neutralidade sempre nos deixa na zona de conforto e faz acomodar. Como mais marca a parte em que nos sentimos vítimas (mas vou aqui refletindo das ocasiões em que reproduzo também os preconceitos) fiz um levantamento de situações em que apontam para essa alienada e velada repetição que temos de debochar do diferente.
É uma constatação pessoal, mas, vejamos: até os dez anos eu vivi na roça, e reprisando agora, lembro-me que isso muitas vezes era motivo de zombação por parte dos colegas. Então, eis uma primeira crendice para diminuir alguém, nascer na zona rural e´... Acrescente você se já ouviu alguma “piadinha” nesse sentido. Venho de uma família dita “tradicional”, numerosa no número de irmãos, e nessa parte também já ouvi muitos gracejos maliciosos (que mesmo gracinhas escondem repulsas veladas).
Trabalho: vou citar um fato isolado. Aqui não vou generalizar, mas... Eu ingressei no mercado de trabalho como marceneiro. Não do tipo taylorista ou fordista. Eu fazia um móvel do início ao fim (oportunidade realizadora para os padrões atuais). E inclusive depois tinha que montar na casa do cliente. Certa vez na casa de um cliente, em BH, eu e mais um colega de trabalho ficamos sobre a tutela de uma jovem que trabalhava na casa. A determinação por parte de sua empregadora era: “enquanto esses dois ficarem na casa, você deve ficar de olho neles; eles devem permanecer sempre no mesmo local, ao alcance de sua vista”. E isso incluía ir a banheiro. Se um de nós dois resolvesse ir ao banheiro, o outro tinha que acompanhar, para a jovem nos escoltar. Antes que alguém antecipe algum pensamento escarnecido, aviso que ela ficava do lado de fora esperando. Era o único local que ela não entrava junto. Claro que não julgo a jovem, que também se sentia constrangida, mas no posicionamento da cliente, dona da casa. Numa casa que além de tudo possuía câmeras, ainda colocaram uma pessoa para vigiar. Nosso empregador, quando o queixamos sobre isso, pediu na hora para que interrompêssemos a montagem dos móveis, e abrindo mão do lucro da venda, avisou à cliente que não concordava com sua atitude, pois ela estava recebendo na casa dela trabalhadores, não ladrões. Ela o ameaçou de levar na justiça, mas ele ameaçou fazer o mesmo devido à atitude dela, e ficou só na troca de farpas mesmo. Esse foi só um caso, daria para contar outros observados no contexto de trabalho. Considerei sim uma atitude lastimável, e sim, preconceituosa.
Daria para citar outras situações, mas, o texto já está grande. Com a dinâmica atual no nosso dia a dia, é uma afronta escrever coisa tão simplória em que o número de páginas sugira o plural. Da notícia mencionada no início, que dos comentários postados no site observei níveis de preconceitos injustificáveis, sugiro apenas avaliarmos essa hipótese: de que nós brasileiros reproduzimos sim preconceitos em proporções acima do que consideramos. E de certa forma é um tipo de preconceito até mais covarde, pois, sendo velado, ou amenizado pelo discurso do “Brasil solidário”, enfraquece o discurso de defesa dos vitimados.