Outro dia, estava num encontro de carros antigos e um "gurizinho" que acompanhava o pai, veio ao meu encontro e do nada soltou:
- Se você pudesse escolher uma única coisa que lhe faria feliz você escolheria o que?
Abaixei pra ficar na mesma posição que ele e olhando-o nos olhos, ri como quem abrisse um toalha xadrez e oferecesse uma cesta para um piquenique, mas era apenas um joelho, para que se sentasse e pudesse dizer mais sobre o assunto. Ele, eufórico, emendou:
- Meu pai disse que a felicidade é uma escolha, não um presente, sabe. Então ele escolheu ser feliz, mesmo não tendo o pai dele para passear de carro nos fins de semana, mesmo que a vovó não o reconheça mais porque tem uma doença e acha que ele é pai dela e mesmo a mamãe estando careca porque a doença dela fez cair o cabelo. Ela usa um lenço lindo que dei pra ela no Natal. Você também já caiu o cabelo?
A vontade era dizer: não caiu o cabelo, mas o queixo, sim, menino! De onde tirou isso? Mas ele jamais entenderia os sentimentos que me tomavam naquela hora, era demais para viver em poucos segundos, sentei-me logo no gramado do parque onde ocorria o evento e fiquei ali observando aquele pequeno que não parava de falar, sequer um segundo:
- O meu pai é aquele moço ali de camisa listrada. Ele é magro assim, mais come muito e vive me dizendo que não pode comer doce porque não faz bem pra saúde, mas comeu quatro Bis ontem. Ele me trouxe pra cá porque minha mãe foi ao médico ontem e fica vomitando quando volta. Queria ficar com ela, pra ajudar a ir ao banheiro, mas ele insiste que preciso de lazer pra ser feliz. Faço ingles, jiu-jitsu, capoeira, Kumon, futeol, teatro tudo na escola depois da aula, porque meu pai trablha muito e não tem muito tempo, sabe. Estou juntado um cofrinho pra levá-lo pra Disney, pra descnsar a cabeça e parar de falar palavrão. Meu pai é irado, sabia?
- Que legal! Seu pai ser assim descolado!
- Não é bom ser irado não viu. Ele grita, fala alto, toma o controle da minha mão quando estou na tevê e lancha na sala, mesmo me dizendo pra comer na cozinha, que lá é o lugar. Eu não entendo meu pai, as vezes. Você tem pai?
- Tenho sim! Meu pai é um amor!
- Mas e o que você escolheria pra ser feliz. Pode ser um carro, se gostar, mas se não gostar pode ser sua família mesmo. Porque se eu pudesse escolher, de verdade, eu queria minha mãe pra me levar pra escola, e um irmão pra brincar de super-herói. Eu seria o super homem, claro! Ele ia ser o homem aranha. Ia querer assistir DPA quando chegasse da escola. Comer em casa. Mas eu não ia escolher vir aqui ver carro velho. Não gosto.
- Escolheria as mesmas coisas que você, sinceramente. Ainda acrescentaria ser sempre criança.
O pai veio e o recolheu, mas ao dar tchau soltou sua última reflexão que até agora está martelando a minha cabeça (literalmente):
- Você nem sabe o que quer pra ser feliz não é? Copiou a resposta de mim...
Acenei com um sorriso entre os dentes...

 
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 01/07/2019
Reeditado em 01/07/2019
Código do texto: T6686188
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