Amo cheiro de terra molhada e barulho de chuva, mas dias nublados ainda me entristecem um pouco.
 
Raios me encantam e me espantam na mesma proporção.
 
Não tenho inimigos, não que eu saiba, ou pelo menos ainda não fui apresentada a eles.
 
Amo todos os meus amigos, todos. Mas gosto demais da minha solidão.
 
Não gosto de multidões, não sou de socializar. E não é que eu seja antissocial não, é que fofoquinhas e discussões distanciam as pessoas. Talvez por isso eu confesse tanto à lua e às estrelas.
Mas eu gosto das pessoas, e gosto, mais ainda, de conversas profundas - há poucas pessoas interessadas em mergulhos profundos.
 
Odeio injustiça. Odeio fofoca. Odeio gente barraqueira.
E sim, eu sinto raiva e falo palavrões como qualquer pessoa, principalmente quando bato com a perna na quina da cama pela quinquagésima vez, e saio insultando "o mundo", mesmo sabendo que proferir tudo o que me vem à cabeça no momento não vai mudar nada na minha vida, que o descuido foi meu e que a cama é um objeto inanimado e sem consciência de coisa alguma. E mais ainda, que estou propensa à raiva, mas que ela não me acrescentará nada de bom, e que, portanto, devo colocá-la no seu devido lugar.
 
Amo o cheiro do café, mas a minha primeira bebida da manhã é o chimarrão, faça calor ou faça frio.
E por falar em frio. O inverno no sul começou estranho - dias de três graus, seguidos de dias de trinta graus. Não há corpo que aguente. E a pele então, precisa cada vez mais de hidratação, cremes e óleos corporais. A sorte é que gosto de cuidar da pele.
Posso estar num daqueles dias bem depressivos mesmo, triste pra cassete, mas lá estou eu, chorando e passando creme no rosto.
 
Gosto de coisas simples. Gosto da vida simples. De cuidar da casa, das plantas (um dia ainda transformo minha casa numa floresta), de ficar em silêncio só pra ouvir os passarinhos, de perder a noção do tempo imersa em livros, de pedalar de bicicleta, de assistir Orgulho & Preconceito ainda que pela trilhonésima vez, de sentar na minha poltrona em frente ao fogão a lenha - sempre que faço isso, Marley se achega junto ao fogão (acho que ele também adora o crepitar da lenha).
 
Acho que o que mais gosto no inverno é ver a lenha queimando.
Lenha queimando me hipnotiza.
E se sobre a lenha estiver assando um churrasco então... ah... aí a hipnose se faz completa !
 
Adoro pão caseiro com nata e chimia de uva ou de morango, acompanhado de chocolate quente. (chimia é similar a geléia, mas mais consistente e sem pedaços, muito comum aqui no sul)
 
Aprendi a amar a culinária com a minha mãe. Ela era chef de cozinha, num tempo em que chefs ainda eram chamados de cozinheiros.
Ela tinha amor pela culinária, mas não gostava que tocassem nas suas panelas.
A mãe não gostava de servir apenas um único prato de comida, gostava de mesas fartas e repudiava o desperdício.
Era a mãe mesmo quem matava as galinhas para o almoço de domingo. Lembro-me do seu olhar em prece e a minúcia na limpeza (da qual eu também participava), assim como o cuidado em usar tudo o que o animal nos fornecia.
Foi com a minha mãe que aprendi a respeitar os alimentos.
 
E nesse ponto, acho que a culinária e a escrita se assemelham, uma vez que se faz necessário respeitar as palavras. Não apontá-las como armas, proferindo qualquer intempérie que nos corrói por dentro, na intenção de ferir, de magoar alguém, ou simplesmente cuspir o mal que nos aflige, afinal tudo o que lançamos ao universo, mais hora menos hora retornará para nos, e então estaremos prontos para colher o que plantamos ? Porque não adianta plantar ervas daninhas e esperar que se colha trigo, não é mesmo ?
Cuidar, cuidar das palavras com carinho, como um alimento servido de alma para alma.

 




DENISE MATOS
Enviado por DENISE MATOS em 01/07/2019
Reeditado em 01/07/2019
Código do texto: T6686019
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