A amnésia das três estrelas

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– Olá, meu grande amigo Jurandir! Como o senhor tem passado?

– É Amaury, capitão.

– Oh! Desculpe-me. Eu tenho esse triste hábito de confundir o nome das pessoas. É possível o senhor desconsiderar minha gafe, professor Jurandir?

– É Amaury, capitão.

Esse rápido bate-papo, descontraído e cheio de desencontros, passou-se nos corredores duma universidade. Os interlocutores, dois professores bacharéis.

O professor Amaury é um cidadão brasileiro de excelente lábia – prolixo, pra ser sincero. É boa gente, de boa estirpe. O capitão é o inconfundível Capitão Aurélio, oficial ímpar das fileiras de uma briosa instituição militar. Homem culto, carismático é um excelente professor de Comunicação Social.

Resolveu plenificar seus estudos em Matemática, acreditando ser menos traumático e vergonhoso passar por situações do tipo: ‘professor: resolva esta questão aqui, por favor...’ E, depois de muita suadeira em busca de uma solução intangível aos saberes do mestre, dizer que não sabe responder.

– O senhor já pensou um aluno olhar pra mim e comentar com outro colega que eu não respondi corretamente ou mesmo que não sabia uma questão de Português!? Como é que pode um professor de Português não saber Português!? Matemática não... É difícil mesmo! Ninguém nem nota... (e tome n) – dizia o bom capitão Aurélio, justificando sua opção de plenificar em Matemática.

O que, porém, mais chamava a atenção no capitão Aurélio era a sua enorme capacidade de esquecer nomes e fisionomias. Havia outros relances de amnésia em sua história de vida. Já esquecera diversas vezes assuntos e tarefas bem claras e explicadas a ele anteriormente, mas trabalhar com nomes e fisionomias para ele era o fim.

Certo dia, quando se dirigia à universidade, esqueceu para onde ia. Vendo-se ‘perdido’, utilizou-se da tática militar do ESAON: estacionar, sentar-se, alimentar-se, orientar-se e navegar. Parou e ficou matutando: Para onde eu vou, afinal de contas!? Pensava. Pensou. Pensou. E nada. Até que, olhando para o banco da moto em que estava, viu a apostila da professora Carol de Psicologia. – Ah, rapaz! Estou indo à Universidade! Essa minha cabeça! – E seguiu.

Até aqui, tudo bem. Agora escutem essa:

Quando ainda cadete, o hoje capitão, durante uma folga, tomou uma condução para a sua residência. Ao tomar o segundo coletivo, sentou-se ao lado de um rapaz que começou a observá-lo atentamente, em silêncio. Cadete vibrador de Academia Militar começou a suspeitar do jovem, passando, a partir de então, a olhar de soslaio de quando em vez para o rival em potencial.

Num determinado trecho do itinerário, levantou-se. O garoto fez o mesmo. Dirigiu-se para perto do motorista. O jovem o acompanhou, sempre atrás dele. Na segunda parada, dá sinal para descer. A mesma atitude é executada pelo companheiro de viagem.

A essa altura, o então Cadete Aurélio já estava com uma pulga atrás da orelha: Isso não vai acabar bem – pensava.

Desceu do coletivo. O garoto o acompanhava. Sempre atrás. O Cadete Aurélio apressa o passo. Dobra numa esquina, à direita, como se estivesse num filme de faroeste americano e fica à espreita do jovem que teimava em segui-lo. Tão logo este aparece, segura firmemente o estranho à altura do antebraço e pergunta, exasperadamente:

– Por que você está me seguindo, hein!? Não tem medo de levar um tiro não, rapaz!? O que você quer atrás de mim, fala!?

– Eu tô indo pra casa. Esqueceu que sou teu irmão?

Fortaleza-CE, 03 de novembro de 1999, às 23h15min.

Do meu livro 'Anversos de um versador.'