A DIFERENÇA
Eu trabalhava no caixa de um banco. Certa vez, ao fazer um levantamento prévio, percebi que havia uma diferença entre os registros e o saldo em meu poder: faltava um documento autenticado. Acho que o havia entregue para o cliente. Isso dá uma confusão danada. Tem de ser resolvido na hora, até o encerramento do expediente.
Pela cópia que iria para a empresa credora (tratava-se de uma cobrança), verifiquei que o cliente residia numa vila de pescadores a uns 50 km, sem outra indicação de endereço. Deixei o relatório de caixa em aberto, avisei o chefe de tesouraria e corri para meu fusca. Tinha pouco tempo para desentranhar o bendito papel. Segui para a vilazinha, estrada de barro, cheia de buracos e elevações - em que o fusca trepidava como uma britadeira - parando em bares e vendinhas, a perguntar pelo cliente. Seu nome era Tiago Henrique. Tiago Henrique da Silva.
- Silva? Aqui tem uma data de silvas, doutor. Não será o Lambari...não...O Zé Porquinho...o Caramujo...?
Estava difícil. Parece que ali ninguém tinha nome de batismo. Procurar um Silva neste país é tarefa para um herói mitológico.
Quando ia passando pela escolinha tive uma inspiração: claro, Tiago Henrique é nome de artista, coisa de elenco da Globo. Nome de jovem. Voltei de ré e estacionei no pátio da escola.
O pessoal achou que era visita do inspetor escolar. A servente correu para fazer um cafezinho. Após as explicações, a diretora me conduziu à sala de aula. Os alunos me receberam de pé, meio ressabiados:
- Boa - tar- de, inspetor!
Alarme falso. A professora ficou sem jeito. Para não diminuir minha importância, a diretora falou:
- Este senhor é o gerente do banco. Está procurando uma pessoa. Veja se é aluno nosso.
O garoto morava ali perto. A servente me acompanhou até sua casa. A velhinha que surgiu por detrás da porta me olhou ressabiada, enquanto a servente me apresentou como o dono do banco. Ofereceu-me uma poltrona desbotada, com jeito de ser muito antiga. Tomei mais um cafezinho. Quando achou que podia confiar em mim (apesar de ser dono do banco), comentou:
- É verdade, o Zefo, meu marido, foi inda hoje no banco pagar um plano de saúde pro nosso neto.
Abriu uma gaveta, num armário antiquíssimo cheirando a mofo, e tirou uns papéis envolvidos com elástico, perguntando preocupada se eu iria levar embora o documento.
- Não, minha senhora. Só se houver duplicidade.
- E o que é isso, moço? Me descurpe, não entendo essas palavra moderna.
- Não se preocupe. Só vou levar se tiver dois papéis iguais. Um é meu, outro da senhora, entendeu?
Estava ali apenas o recibo do cliente, nada do meu papel. Voltei desolado. Parece que, num dos buracos, furou o cano de escape do fusca.
Faltava pouco para encerrar o expediente externo. Ia levar bronca do tesoureiro. Quando coloquei os pés na agência, meu chefe perguntou:
- Por acaso teu papel não é este aqui?
Era ele mesmo, o papel azulzinho, autenticado. Tinham encontrado no banheiro.
- Você teve sorte – falou o chefe – com essa falta de papel higiênico, seu documento podia ter tido um fim indigno.