Curiosidade

Tínhamos acabado de mudar da casa de meus avós maternos para a casa que meu pai construíra na Rua Alfredo Zumkeller, na Santa Inês. Era uma periferia distante, já perto do Horto Florestal. Ao lado da nova casa havia ainda muitos terrenos baldios com matagais que eram uma promessa de aventuras para um menino de cinco anos como eu. A rua era de terra, as casas não tinham calçadas, acho que meu pai só se aventurou por aqueles arrabaldes por serem próximos da Academia do Barro Branco, onde ele se tornara oficial da Polícia Militar. O bairro já lhe era familiar.

Fiquei deslumbrado com a nova casa. Diferente daquela dos avós Francelina e José, aqui tínhamos três quartos, um para os pais, um para as irmãs Nira e Laude e o terceiro só para mim. O terreno não era tão grande como a chácara na Rua Dona Luiza Tolle, mas tinha um quintal de bom tamanho, e nele um abacateiro e uma nespereira. Subia naquelas árvores altas e elas eram para mim naves espaciais com as quais eu viajava por mundos infinitos.

Não cansava de explorar os detalhes da nova casa. Tudo era novinho, cheirava tinta, tudo era diferente do que eu conhecera até então. Um dia meu pai flagrou-me observando as tomadas de eletricidade de meu quarto, que agora ficavam bem ao meu alcance, dois palmos acima do chão. Ele então me alertou que eu não deveria nunca mexer naqueles buraquinhos, principalmente com coisas de metal. Mas não me deu explicações a respeito. Era seu estilo, ordenar e não argumentar. Despertou minha curiosidade.

Uma manhã bem cedo, antes do café, não sei onde arrumei um pequeno pedaço de arame. A curiosidade foi maior que qualquer precaução, introduzi cuidadosamente o arame nos buraquinhos. De repente, aquela surpresa:

ZAAAAAPP!

Aquele clarão, aquele choque, aquela queimação nos dedos, o cheiro de carne queimada. Dei um salto para trás, mas, apesar da dor, receoso não dei um pio. Desobedecendo meu pai, eu acabara de descobrir a eletricidade. O arame incandescente entalhara um rastro cauterizado nos meus dedos. Até hoje a digital de meu polegar esquerdo é riscada pela cicatriz daquela imprudência.

Desci as escadas, a família toda estava à mesa do café. Assim que me viu, minha mãe perguntou:

-- O que foi? Você está branco!

Mostrei então os dedos da mão esquerda bizarramente queimados. Eles logo deduziram o que tinha acontecido. Não me repreenderam. Minha mãe, atenciosa, limitou-se a cuidar das queimaduras. Compreenderam que o aprendizado já fora bastante eficaz.

Publicado no livro "Canjica de castanha" (2019).