A Máquina do Tempo
A máquina do tempo
Ele não era cientista, sequer havia frequentado laboratórios onde o intangível é constantemente desafiado pela ideia de mudar a provável desgraça, aquela que, de tão concreta cospe à cara com escarro e descaso. Contudo, mesmo sem intimidade com átomos e a tabela periódica, mesmo sem a compreensão da dobra da luz e da barreira do som, mesmo sem entender como decifrar algo tão belo e complexo como o DNA e a evolução. Mesmo sem todo esse conhecimento, a seu entender necessário, que o fazia adormecer sobre o manto da ignorância, mesmo assim... havia nele certa sensibilidade a cerca do impossível, uma crença daquelas que ultrapassam a deus ou qualquer forma de divino, pois ele era poeta. E, em sua necessidade de poeta, aquela necessidade que oprime a alma pondo o ser numa angústia de incompletude. Nessa necessidade onde os sentimentos debruçam a cabeça em busca de consolo, porém encontram o grito ensurdecedor do silêncio. Momento em que a voz do desespero estouram os tímpanos... o poeta estava de mãos atadas. O doído não é sentir a opressão sobre os ombros, pois o costume em se viver dá a força, muitas vezes postas pela necessidade, de um Atlas que tem sobre as costas largas o peso da Terra, que sem esmorecer segue, certo que há de se seguir sem a certeza de onde ir. O doído é quando a opressão invisível se faz sentir pelos erros que machucam abrindo na pele de quem se ama feridas tão concretas tanto invisíveis. Nessa hora, a poesia não cura. Nessa hora, a poesia tortura. Nessa hora não se quer ser o que é, não se quer o peso da pena à mão. Nessa hora, tudo que se quer é a chance de mudar o passado.
Ela não confiava mais nele, tinha medo. Era nítido para ele. Pois a cada nova conversa na qual se expõe os sentimentos mais profundos, surgiam novos ressentimentos que expunham uma nova dor. Isso a machucava, a fazia sofrer. Ela não entendia como ele, causador de todo aquele sofrimento e ressentimento poderia, também, sofrer. Mas petulante como um detetive em interrogatório repedia diversas vezes que queria a verdade, como um mantra, a busca pelo que havia escondido a inflamava e mudava o calor das emoções posta na conversa. É engraçado como a dor do amor e da loucura beiram as profundezas de uma lógica que carece de explicação. É como estar no meio de uma ponte feita de cordas e madeiras sobre um abismo, sob o sol escaldante e um vento impetuoso, paralisado, sem o saber necessário que a ponha a caminhar para um dos lados. A escolha tão óbvia, a simples sobrevivência, é difícil. O vento sopra no ouvido aquele assobio que soa mil fantasmas erguidos de todas as vidas passadas numa ópera que traz tormento balançando a ponte em síncope eterna. O sol, geralmente o amigo que dá ao corpo calor, queima toda a ação e a inércia domina o ser. Uma hora ação do tempo fará aquelas cordas romperem e o abismo a engolirá. A espera mata aos poucos . Uma hora, na melhor das hipóteses, a ação do tempo causará danos tão grandes aquelas madeiras lenvando delas a força que sustentam o peso (o peso das ideias, o peso da insegurança construída pela decepção), e o abismo a engolirá. Mas nessa hipótese, nessa tenra, doce, cruel hipótese, ficarão na memória os restos de uma perigosa ponte que unira dois pontos do abismo e ninguém ousará passar, mas dizendo que algo bom existiu ali. Que era algo tão bom que ousou unir duas extremidades de mundos. Que era tão forte que ousou as intempéries do tempo para existir. E que, sobreviverá em ruínas para que futuros amantes a vejam.
No calor dos conflitos as emoções guiam as ações e, é aí que se percebe parte de como se é educado para agir. A memória muscular diante da ação que causa medo e o pânico de não ter a ação necessária para dar conta do medo expõe a nudez do ser, eles estavam nús... o problema é quando se está envolvido demais e a percepção é roubada. Para ele, a ação provocada pelo medo era o enfrentamento, mas o pânico gerado da ação de não dar a necessaria conta do medo, a saber, a perda total e irrestrita de quem se ama, de quem o enlouquece, o paralisava, o calava, o resignava... Para ela, tudo o que queria era a capacidade de reescrever a vida num romance onde pudesse trazer Júlio Verne e a magnífica solução científica de uma máquina do tempo onde retornaria ao passado para mudar a dor e ficar somente a alegria alucinante gerada pela loucura do amor que sentira por ele, mas não podia...
O passado é uma construção de memória, é aquele conjunto de lembranças que põe à mesa a dor num banquete eterno com o presente. Será que a mente um dia produzirá endorfina o suficiente para um momento imensurável que supere os ressentimentos? A incapacidade de produzir uma resposta satisfatória faz dele o pior ser do planeta Terra... Ele odeia o que é.