Vinho, Café e uma Mancha de Mostarda...

Batem na porta. Me encolho só no sofá e fico quieto. O couro falso faz barulho quando me movo, da estalos secos de plástico.

Toc toc toc...

Tornam a bater, dessa vez com mais força, e sinto um espirro chegando, com muita força, passo a almofada na qual repouso a cabeça sobre meu rosto e aguardo.

Toc toc toc !

ATCHIN !

- Oliver? Abre logo essa porta. Ta um calor do inferno aqui fora.

Estamos sentados, Júlia de um lado da mesa. Regata e jeans. Tudo preto. Cabelo raspado na maquina dois. Alargadores suficientes para passar meu dedo mindinho por cada um deles.

- O plano é esse. Você me acompanha até a festa do trabalho. Lá te apresento como meu namorado. Se precisar até pego na sua mão, se você não se importar...

- Tudo bem – Eu digo. Nem tinha concordado em ir a essa tal festa e ela já tinha tudo bolado. Se eu dissesse que não ia, foderia todo seu plano- Mas quando é essa tal festa?

- E depois de amanha.

- Mas depois de amanha é sexta!

- Exato! Deveria me agradecer. Arrumei planos para você pra sexta a noite.

- Porra, Júlia, mas sexta a noite!

- Qual o problema? Tinha coisa melhor pra fazer?

Peguei um cigarro no maço sobre a mesa e o levei a boca.

- Lembra da Luana?

- Aquela moça que te dispensou quando descobriu que você estava mentindo a respeito de ter os ingressos para o Guns n Roses?

- Bom, ela não me dispensou. Só ficou decepcionada.

- Oliver, aquela piriguete aceitou sair com você apenas para ir ao show.

- Bom , que se dane. É essa mesmo. Mas fato é que consegui dois convites pra inauguração daquela casa de shows nova, e ela topou ir comigo. E vai ser depois de amanha. Sexta a noite. Então sinto muito mas não …

Júlia se levantou antes de eu terminar de falar.

- Tá legal. Já entendi. Não vai poder ir comigo, né? Pode ficar tranquilo.

- Me desculpa. Mas não vai rolar...

- Relaxa. Tenho um plano B. Gostaria que fosse você. Mas se esse seu encontro com a quela aproveitadora é tão importante.

- Sinto muito mesmo Júlia.

- Me da um cigarro?

Pediu ela.

- Claro. Pega ai...

Ela pegou . tirou um isqueiro do bolso do jeans e acendeu o prego . Depois me passou o isqueiro e eu acendi o meu.

- Você não tem o telefone do Henrique, tem?

Henrique era um zé ruela do caralho.

- Até tenho.

- Vou ligar pra ele.

- Pro Henrique?

- Ele é meu plano B.

Nos dois ficamos parados, ela de pé de um lado da mesa, e eu sentado no outro. Ficamos ali olhando nos olhos um do outro. Júlia com seus olhos castanhos e pele clara. Eu com meus olhos castanhos, rosto meio inchado por conta do álcool e de ressaca.

- Tá legal. Vamos no meu carro ou no seu?

Júlia abriu um sorriso, deu a volta na mesa me se atracou em mim, quase me derrubando da cadeira...

- Calma ai, calma ai!

- Porra, Oliver, não sabe como te agradeço! Não pediria para você se não fosse importante...

- Eu sei.. eu sei.. mas já que é para parecer um encontro, vamos no meu carro. Passo na sua casa e te pego que horas?

- E porque no seu carro seria um encontro?

- Num mundo doido desses, se você leva um cara para uma festa no seu carro, ou ele é seu irmão ou é bicha. E você precisa que pareça um encontro, então que horas passo pegar você?

- As 21 tá bom pra você?

- As 21 tá bom pra mim.

Então ela saiu do meu colo. Me deu um beijo no rosto e marcou o seu endereço num guardanapo.

- Pra caso você não esteja lembrado onde é...

Agora vamos aos fatos. Júlia trabalha numa empresa de investimentos, ou contabilidade, ou sei lá o que. Só sei que ela é boa com números, e a empresa onde trabalha tem um novo diretor. Esse tal diretor é do tipo de gente que prega os valores familiares, princípios éticos e segue a palavra do bom e velho Jesus Cristo. Dai ele tem certos preconceitos quanto ao mundo moderno. Não é do tipo que vê com bons olhos um prega velcro, se é que me entendem... o cara leva para o lado pessoal se dois caras estão se beijando na rua, ou se duas garotas estão usando algo mais que um caralho para curtir uma noite juntas. Dai o problema é que Ju,vai contra seus princípios éticos e morais sendo uma sapata. E ela está sacando que ele a esta sacando e sente que se não fizer um teatro na frente do manda chuva logo logo ele vai lhe chutar o rabo. Então para acabar com as dúvidas do cara, ou sei lá, para deixa lo com ainda mais dúvidas, resolveu arrumar um namorado postiço para a tal festa. Ela já tinha comentado isso a algum tempo, e supostamente eu tinha concordado no dia. Só que provavelmente no dia eu não tinha levado a sério essa ideia absurda, então acabei esquecendo de tudo. E dois dias depois, lá estava eu, com meu bom e velho Fiat parado na porta da casa dela, aguardando ela terminar de se vestir.

Pelo celular ela me disse:

- Oliver, não precisa esperar ai fora, a porta está aberta. Pode entrar. Logo estou pronta.

- Tudo bem. Está fresco aqui fora. Mas já ouviu a piada do papagaio?

- De novo?

- É uma boa piada!

- Você não está bêbado esta?

- Não mamãe.

- Sei... já estou saindo.

- Ok, mamãe..

Ela desligou o telefone e vi a luz do seu quarto se apagando. Enfiei a garrafa de uísque em baixo do banco do carro acendi um cigarro. Dei a partida, abri os vidros e liguei o vento para fazer o fedor da bebida circular. Tinha um vidrinho daqueles perfumes automotivos no porta luvas, me estiquei para alcança lo, e sem perceber a brasa do cigarro tocou meu braço me deixando uma bela marca. Inclusive furou minha camisa. Quando Júlia chegou eu estava ali arcado tentando pegar o tal perfume amaldiçoando o cigarro que pendia nos meus lábios..

- O que está fazendo ai?

Ouvi ela dizendo, com a cabeça enfiada na janela do motorista me dando um tremendo susto.

- Porra! Que susto garota!

Ela riu. Pediu desculpas.

- Está pronto ai? Podemos ir?

- Sim senhora. Sua carruagem esta a seus serviços..

Sai do carro e dei a volta, abrindo a porta do passageiro.

- Obrigada, mas não precisa de tudo isso …

Disse ela, meio sem graça.

Ela se acomodou, fechei a porta, dei a volta no carro e me sentei atrás do volante. Ela me disse onde era o lugar e seguimos até ele.

No caminho, repassou seu plano.

- Chegando lá, se você não se importar, prefiro que a gente entre de mãos dadas, ok?

- Tudo bem. Mãos dadas. Anotado.

- Vou falar que a gente se conheceu tem um mês. Você me ajudou a trocar o pneu do carro, tá legal?

- Pneu do carro. Anotado. E depois?

- Depois eu improviso. Não precisa falar nada se não quiser. Me desculpe estar te metendo nessa.

- Olha só. Você sabe que não precisa fazer isso né? Essa encenação toda. Mande esse tal diretor se foder.

- Não posso fazer isso. Ainda tenho alguns anos para pagar da minha casa. E tem o carro novo...

- Não precisa se explicar pra mim. Fico feliz em te ajudar.

- Obrigada.

- A seu dispor.

Chegamos na tal festa. Uma festa de gente com grana. O povo todo bem vestido. Um chofer abriu a porta para nos e levou meu carro.

Antes de entrar Ju e eu paramos na entrada e ela precisou dar nossos nomes. Estávamos na lista. Meu nome nunca esteve numa lista dessas. Senti certo orgulho de mim mesmo. Pouco depois já dentro pude ver uma aglomeração entorno de alguém.

- Aquele careca lá no meio,- disse ela- ele é meu chefe...

- Não fui com a cara dele.

- Oliver, por favor, não vá aprontar nada.

Caminhávamos até a mesa das bebidas e senti a mão suada e pequena de Ju agarrar a minha. Quando chegamos na mesa, algumas pessoas que ela conhecia vieram nos cumprimentar. Trocaram alguns elogios enquanto eu me servia. Ninguém fez nenhuma menção a minha presença. Enchi uma taça com um vinho francês e virei. Depois enchi outras duas , entreguei uma para a garota e outra para mim.

- Precisamos fazer uma social aqui. Vamos circular.

- Sobre o que vocês conversam?

Perguntei.

- Como assim?

- Sobre o que falam?! Esse povo parece só saber falar sobre dinheiro e casas na praia e tal...

- Bom... é basicamente isso mesmo. E tem fofocas.

- Que coisa feia! Tisc tisc tisc …

Demos mais algumas voltas. Cruzamos com esses garçons que andam por ai com bandejas de petiscos, eretos e bem vestidos. Tinha uma estátua de gelo no meio do salão, uma estátua com uns 3 metros de altura. Era tipo um anjo mijando ou algo assim. Uma banda num pequeno palco para a qual ninguém dava bola. Pequenos grupos que riam entre si. Nos juntamos a um desses grupos, fiquei de fora da conversa tentando encontrar alguma emoção no meio de toda aquela gente. Até que alguém ali no grupo notou minha presença.

- E quem é esse?

Uma voz masculina questionou.

- Há, me desculpem. Esqueci de apresentar. Esse é meu novo namorado. Acredita que nos conhecemos quando ele trocava o pneu do meu carro?

- É mesmo?

Disse um sujeito sem muita empolgação.

- Então ele é mecânico?

Perguntou o tal sujeito para Júlia.

- Não, não. Mecânico não. É escritor.

O tal sujeito não levou muita fé.

- E esse escritor tem nome?

Estendi minha mão para o tal e me apresentei.

- Oliver.

- Oliver... hunn... nunca ouvi falar... Oliver de quê?

- Só Oliver tá bom.

- Prazer... Oliver…. Sou o novo supervisor da sua amiga….

- Namorada... - intervi

- Interessante- Disse o sujeitinho. Depois continuou - Não sei se acompanhava nossa conversa, mas falávamos sobre nossa nova metodologia de trabalho. E como ela envolve todos os bons princípios. Queremos que nossa empresa seja bem-vista tanto no meio profissional quanto na imagem que nossos funcionários mostram dentro e fora do trabalho. E isso envolve tudo, tanto as atitudes que tomamos quanto a forma como nos vestimos. Sua namorada, sem querer me intrometer, senhor Oliver, ela tem potencial, é dedicada e proativa. Mas o senhor deve ter notado que as vezes ela se veste de uma maneira... digamos... inadequada...

- Inadequada?

- Sim .. o senhor sabe...o cabelo, esses alargadores... não é a forma que uma mulher elegante deve ser... o senhor me entende, não é? Passa certo desleixo. Isso não é coisa de uma mulher de classe...

Olhei para Júlia ao meu lado. Segurava as próprias mãos a sua frente, tentava sorrir, engolindo tudo aquilo.

- Qual o seu nome mesmo?

Perguntei ao sujeitinho ..

– Hó, me perdoe. Esqueci de me apresentar. Me chamo Gilvan Moraes Moreira.

- Mas que droga de nome é esse?- Falei- Gilvan? Seu supervisor se chama Gilvan, amor?-Falei agarrando a mão de Júlia- Meu deus, como você pode levar a serio um cara com um nome desses?

Ela arregalou os olhos, implorando para eu parar.

- Me desculpe senhor Gilvan. Não sei qual foi a ultima vez que o senhor esteve com uma mulher de verdade. Não estou me referindo aos manequins que pela sua cara de safadinho... eu bem sei que você é tarado por aqueles manequins de departamento feminino, não é mesmo? Acho que eles se encaixam perfeitamente no seu padrão de mulher perfeita... bom, mas cada um com suas taras a parte. Mas voltando, não sei qual foi a última vez que esteve com uma mulher de verdade. Mas espero de coração que um dia esse dia chegue, e espero mesmo que você seja merecedor de ter uma como essa gata aqui…. ela é fogosa…. Oh deus, sim…. Ela é boa, cara…. É o tipo de mulher com a qual você não aguentaria dois minutos, ela te desmontaria, faria seus batimentos cardíacos subirem as alturas….

- Me desculpem, me desculpem pessoal. Não sei o que deu nele, deve ter sido o vinho …

Júlia me puxou pelo braço e foi me afastando da rodinha.

Quando nos afastamos o suficiente para sair da vista daquele pessoal ela me deu um soco no ombro.

- O que deu em você, caralho?

- Como assim?

- Aquele cara é meu supervisor! Você pode ter fodido com tudo pra mim!

- Serio mesmo? O sujeito tava te dizendo como se vestir. Estava te esculachando no meio de todo mundo!

Ela cobriu o rosto com as mãos, parecia nervosa.

- Escuta. Vou voltar lá e me desculpar, tá legal? Se quiser ir embora, pode ir.

- Porque vai fazer isso?

- Não te interessa. Não tinha planos pra hoje a noite? Não tem a tal Luana? Porque não vai lá e leva ela para a tal inauguração?

- Até onde sei, ela ficou puta comigo por ter cancelado e foi como Henrique.

- Bem feito... bom. Vai embora tá legal? Amanha a gente se fala.

- Tem certeza que vai voltar lá?

Ela se virou e se foi.

Passei na mesa de bebidas, enchi mais dois copos com vinho, matei ali mesmo. Acendi um cigarro e dei mais algumas voltas pelo lugar, até que um cara grandão se aproximou e disse:

- Senhor, não pode fumar aqui dentro...

- Me desculpe, cara. Mas essa festa está um porre.

Joguei o cigarro no chão e apaguei com a sola do meu sapato.

- Ok. O senhor vai ter de sair. Agora.

E sai mesmo.

Ainda não eram 23 horas de uma sexta feira. Ainda tinha as entradas para a tal inauguração. Resolvi passar por lá. Não era um lugar tão chic quanto a festa. Encontrei alguns parceiros. Havia área para fumantes. O banheiro fedia a mijo as toalhas de papel tinham acabado. Numa das portas para a privada uma fila se estendia. Aquela era a fila da cocaína. Perguntei para um dos caras na fila quanto custava a carreira.

- Trinta reais- me disse ele- mas é das boas cara...

Pensei sobre o assunto, mas achei melhor não.

- Olha olha olha ! Se não é o grande Oliver saindo da fila da cocaína. Viu só Luana, te disse que esse cara é da pesada. Eu e Oliver somo grandes parceiros, não é mesmo?

Era o Henrique. Luana o acompanhava. Ficou me ignorando enquanto H. me enchia as bolas, até que disse que ia ao banheiro.

- Me empresta a nota? - Pediu ela para H. Que lhe passou uma nota e um saquinho, -Vai lá. Mas vai com calma com isso ai. Eu e meu parceiro estaremos no bar. Nos encontre lá.

No bar pedimos duas cervejas.

- Qual a boa, meu chapa?

- A boa?

- É , a boa.. e como vão as gostosas?

- Não tenho tido dessas ultimamente.

- Cara, se eu fosse escritor, e tivesse as fãs que você tem... meu camarada... iria ser dia e noite... dia e noite! Hahahah

Ele me deu um tapa nas costas com tanta força que quase derrubei a cerveja.

- Vai se foder cara.

- Que isso meu chapa.

- Então tá chapando a coitada da Luana pra aprontar com ela?

- Você me conhece bem hahahahah

Me deu outro tapa nas costas...

- Veja só. Se me der outro tapa desses...

Luana então voltou do banheiro, as pupilas enormes, entregou a nota e o saquinho para Henrique.

- Vamos sair daqui. Quero dançar. Essa parada tá boa. Você sim é um cavalheiro. Ainda bem que o outro babaca desistiu. Eu cometeria um erro se viesse com ele! - disse Luana.

Henrique se despediu de mim. Se aproximou do meu ouvido e disse:

- acredita que um otário dispensou essa gostosa hoje? Cara, hoje eu tirei a sorte grande, a sorte grande !

Curti o lugar por mais uma hora, até que me cansei daquilo e dei o fora. Fechei minha conta, decidi pagar os 10% da casa, e fui embora.

Já no carro, meu telefone vibrou. Haviam quatro ligações perdidas e uma mensagem de texto. Era Júlia.

O SMS DIZIA : ME DESCULPE...FUI UMA IDIOTA. AMANHA TE LIGO. BEIJO.

Retornei a ligação, o telefone tocou duas vezes e ela atendeu.

- E ai. Como anda a festa?

- O que tá fazendo?

Perguntou ela.

- Agora? Nada. Acabei vindo na inauguração que te falei.

Ela ficou em silêncio.

- Ta tudo bem?- perguntei.

- Ta sim. Ta tudo bem.

Silencio.

- Precisa de carona?

Pude ouvi la chorando.

- Onde você está. To indo ai te buscar.

A encontrei num ponto de ônibus próximo a festa chic.

Estacionei a sua frente e destravei a porta do passageiro.

Ela ergueu a cabeça, a maquiagem borrada lhe escorrida pelo rosto.

- Nossa, você esta um horror, garota!

- Obrigada. Muito cavalheiro de sua parte...

Disse ela, ainda sentada no ponto de ônibus.

- Hey, você já ouviu aquela piada papagaio?

- Não... mas gostaria de ouvir...

- Então sobe ai.

FIM.

25/06/2019

08:02

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 25/06/2019
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