Crônicas de Pai para Filho - Uma Carreira Consagrada
Após ser nomeado para o serviço público do meu país, fui aprovado com louvores no estágio probatório.
O estágio probatório é um período de três anos em que você é avaliado constantemente pelo seu superior imediato. Ao fim desse período as avaliações feitas por essa pessoa dirão se você pode ou não ser efetivado.
Durante três longos anos, tive de realizar tarefas importantes, como servir um cafézinho, elogiar um vestido, notar uma mudança de penteado, me emocionar com a foto de algum sobrinho ou neto, etecetera e tal.
Um belo dia, cheguei ao trabalho sem dizer um mínimo bom dia. Olhava para todos com desdém. Respondi com rispidez uma pergunta de uma superior.
Prontamente fui chamado à sala do novo diretor adjunto.
- O que há com você?
Joguei a página do diário oficial em sua mesa.
- Fui efetivado.
Minha vida sofreu um mudança de 360 graus, ou seja, nenhuma ( os matemáticos me entendem ).
Porém, o governo nunca mais poderia me demitir, a não ser que eu fosse flagrado roubando, ou tivesse a estranha ideia de matar algum colega de repartição.
Não precisei mais me importar com vestidos ou mudanças de penteado ( só os da mais bela das esposas ), voltei a me dedicar as horas de ócio e leitura pelas quais me pagavam.
Passado algum tempo, uma das minhas quatro colegas de setor me alarmou. Virou-se para mim e disse peremptoriamente:
- Precisamos mostrar trabalho. A nova chefia da divisão de bibliotecas está pressionando todas as repartições.
Preciso explicar aqui, qual a minha função.
Em algum momento da história do país, alguém chegou à conclusão de que crianças gostavam de ler, e que seria uma grande ideia haver lugares nas instituições de ensino onde as crianças pudessem pegar livros emprestados. Então, abriram-se bibliotecas pelo país. Eu era um dos emprestadores de livros, também apelidados bibliotecários.
Iniciamos então, um grande projeto de trabalho: arranjamos uma máquina fotográfica e passamos a fotografar tudo.
Sem precisar me levantar pedia que uma criança me apanhasse um livro em uma prateleira, e click!
Pedia que outra criança recolocasse o livro na prateleira, e click!
Minha colega trouxe um grupo de criancinhas pequenas e lhes colocou nas mãos velhas revistas em quadrinhos, e eu, click!
Fizemos milhares de fotos com os mais variados modelos e preenchemos centenas de relatórios.
Demos os mais variados nomes a vários projetos que jamais saíram do papel. Aliás, foram justamente criados para estarem no papel.
Em pouco tempo, a chefia da nossa divisão ficou impressionada com nosso desempenho.
Foram enviadas congratulações de todos os subsecretários e chefes de divisão.
Finalmente o próprio primeiro-ministro veio nos ver, concedendo um tempo em sua agenda lotada entre uma reunião com um embaixador e um almoço com um grupo de empresários.
Voei até Haifa com o ministro da educação para palestrar sobre a importância do incentivo da leitura no desenvolvimento dos kibutzim.
Nesse ínterim, minha colega fez um estágio em Cambridge sobre história da literatura.
O resultado final de toda essa história é que desde então, ficamos não só obrigados a continuar tirando milhares de fotos e preencher centenas de relatórios, como também fomos encarregados de coordenar ações integradas com vários ministérios e secretarias.
Isso tudo exige de nós um esforço cada vez maior e mais cansativo, por vezes nos obrigando a ficar longe de casa por semanas, ocupados com viagens à palestras e simpósios.
Mas vale a pena.
Afinal, existe um preço a pagar para que nossa diretora não venha a descobrir que nós não fazemos absolutamente nada no serviço.