Presente do presente
 
     O tempo é surdo às censuras: tempo ruim, escorregadio, de crise ou guerra, não importa. Está na companhia festiva da luz do sol, das escuras nuvens carregadas de eletricidade ou lua de brilho leitoso e sombras de mistério a esconder amor e ódio, o bem e o mal, regentes da história humana.  
     O Bispo de Hipona filosofa quando diz. “Os vossos anos não vão nem vêm”. Deixa clara a existência única do tempo presente. No futuro estão os sonhos, desejos desse instante que aguardam consumação. O passado ocupa depósito da memória. Lá, frustrações e momentos felizes aguardam despacho no presente, onde o verbo grava a ferro e fogo a história, as marcas: desgaste da vestimenta natural dos animais, queda de folhagem, mudança de posição das pedras, nascimento e morte dos frutos. Eternas, as práticas humanas de poder, violência e credo.
     O bem, o mal ocupam lugares na alma nos três compartimentos: presente do futuro, presente do presente e presente do passado, onde protegidos pela armadura da imortalidade, travam batalha de convivência.
     A caverna, significativa morada, mereceu alegoria. Hoje, o homem mora nas ruas, favelas e edificações, a alma repousa no distante abrigo e assistem as sombras sem compreensão. Permanece sentada, falta aptidão e entendimento da força coletiva para remover a pedra que obstrui o caminho ou encontrar a passagem secreta por onde saem e entram os manipuladores das crenças. O tempo é criança, a maldade jovem sedutora que vestida de alta costura, desfila nos salões da moda.
     O povo, presente do presente, na idade da pedra de craque, picados por insetos; bate panelas, pisca as luzes nas cavernas, envia sinais de fumaça através de celular e dinheiro à China.
      A organização do crime de pavio aceso e armas em punho rouba via internet, apaga do mapa agências bancárias e envia à funerária quem lhe atravesse o caminho. Falsos profetas retalham o mundo com explosivos sob a justificativa que a destruição da felicidade alheia é doutrinária. O moderno viaja pelo espaço, sentado em foguete e luneta rente aos olhos, à procura de outra moradia. Quando a terra perder atrativos se mudará com a família e amigos. Por enquanto, acompanha através do GPS a movimentação de aliados e adversários. Eles que se atrevam.
     Arrocho para alma pequena que se curva, aceita a titulação de emergente, rasteja ao fingir estar de pé e por moeda de troca, oferta o labor e sangue de quem por ignorar, aferrou a alma às simuladas crenças. O verbo é ação, o tempo é presente, onde se colhe o que germinou do plantio no presente passado. A humanidade constrói o destino, assim, através de milênios, a oferta do trabalho e vida pelos crédulos pode ser doação pelo elevado grau de entendimento do papel na história e falta às aulas magistrais do escritor uruguaio.
     Quanto menos for o saber, a quantidade de pão, de moradias e mais intensa, a dor e a sangria, mais se multiplicarão em resistência ao extermínio e ausência às aulas magistrais da Escola do Mundo ao Avesso, nos quesitos de “impunidade dos caçadores de gente, dos exterminadores do planeta, do sagrado motor”.
     
     Publicado na antologia de poesias, contos e crônicas O silêncio das palavras, Editora Scortecci na 25a Bienal internacional do livro de São Paulo em 2018