O VIZINHO DO TROMBONISTA
Mora no meu prédio, dois andares abaixo da gente, um jovem trombonista de uns 17 anos. Filho único, sempre vejo os pais levando e buscando o Henrique pra todo lugar. Imagino o empenho deles na carreira musical do filho, que por sinal utiliza um instrumento emprestado de sua escola que vale R$ 20.000,00! Ele também toca piano. Pelo seu empenho e talento certamente terá carreira de instrumentista de sucesso, naturalmente tendo escala ou firmando sua base em algum país do exterior. Da rua ou quando o elevador passa pelo seu andar, dá pra ouvir os acordes, estudando ou ensaiando, o que deve tomar boas horas do seu dia. Adoro esses segundos de som de trombone. Quando o Henrique chegar lá, atingindo o lugar que merece, muitos também merecerão o reconhecimento pelo mérito, especialmente seus pais. Mas existem outros que são dignos de um especial agradecimento e que passarão incautos nesse momento. Esses serão absolutamente ignorados, mas sua paciência foi essencial para que o rapaz pudesse extrair o máximo do seu instrumento, descobrindo nuances e segredos. Estou falando dos vizinhos de andar da família do Henrique que foram brindados com horas e horas de trombone, com seu brado nada sussurrado, que não se calou mesmo quando um cochilo era necessário com o silêncio devido. Esses vizinhos poderiam ter criado caso, boicotado e até ter iniciado um abaixo-assinado no prédio para que a família do promissor músico fosse morar muitos quilômetros de distância. Mas não. Foram bacanas e permitiram que tocasse seu trombone o quanto quisesse, sem quaisquer restrições. Seria ótimo se todos os vizinhos tivessem uma compreensão assim, mesmo tendo o território invadido por um trombone que quer fazer valer sua presença com toda força dos pulmões.