Publicações anteriores desta série: (pesquise pelo nome do autor)

  Crônicas de Brandão - Introdução
  Crônicas de Brandão - 1) O Mico da Lanchonete
  Crônicas de Brandão - 2) O Brado Retumbante
  Crônicas de Brandâo - 3) A Gincana da Torta de Maçã
  Crônicas de Brandão - 4) RRRaii RRRoberrrt!!!
  Crônicas de Brandão - 5) Putz...Melou!!
  Crônicas de Brandão - 6) Perseguindo a Polícia
  Crônicas de Brandão - 7) Acabou em Pizza! 
  Crônicas de Brandão - 8) Louça Suja se Lava em Casa!
  Crônicas de Brandão - 9) A Velhinha de Taubaté
  Crônicas de Brandão - 10) Matusa... para os Íntimos!!
  Crônicas de Brandão - 11) Rainbow...
 
Crônicas de Brandão

12) Pois Eu Direi que Não!

 
       Até meados de 1975, pouco antes do início de minha experiência nos Estados Unidos, eu era membro de uma sociedade iniciática, a Sociedade Brasileira de Eubiose, com cuja filosofia sempre me identifiquei.

       Durante o convívio no exterior, Brandão sempre se mostrou muito receptivo a estes princípios filosóficos, que eu adotara e expressava através de exemplos e palavras. Mais que ser receptivo, ao retornar ao Brasil – prematuramente - Brandão procurou a Sociedade e a ela se filiou. Durante os anos que se seguiram, nossa afinidade, um com o outro, foi substancialmente enri
quecida pela identificação comum com temas esotéricos que passaram a ser objeto frequente de nossas conversas.


       A Sociedade tem sua sede no Sul de Minas, em São Lourenço, e seus braços se espalham por todo o país. Em alguns locais de maior representatividade foram erigidos templos sagrados, onde se realizam rituais frequentados por seus membros. Tanto Brandão, como eu, tivemos a oportunidade de participar inúmeras vezes desses rituais, eu, antes de me mudar para o exterior; Brandão, após seu retorno.

       Um dos templos de maior importância, devido à sua posição geográfica privilegiada do ponto de vista esotérico, localiza-se em Nova Xavantina, próximo à Serra do Roncador, no centro-leste de Mato Grosso, a mais de 700km de Brasília.

      Em 1986 o templo em questão era relativamente novo – fora fundado dez anos antes – e ainda pouco conhecido entre os aficionados da Sociedade, devido à sua distância dos grandes centros. Foi nesse ano que Brandão teve a ideia de irmos juntos conhecer o Templo da SBE em Nova Xavantina.

       Sabíamos que, pelo tempo que estávamos afastados das atividades da Sociedade, seria pouco provável que nos autorizassem a frequentar rituais. Mas visitá-lo e ali permanecer por uns momentos valia a viagem para quem tinha uma grande receptividade aos fluidos da energia sutil que vibrava nos templos da congregação.

       À época, o responsável pela guarda e manutenção do Templo era um velho conhecido nosso, Antônio, um português muito integrado na vida da Sociedade. Convivera comigo, em São Lourenço, onde morei por seis meses, antes de minha experiência no exterior, e com Brandão, em Brasília, depois de seu retorno. Solteiro, de poucos recursos, adorava uma conversa e uma refeição oferecida com muito carinho, sempre disponível quando nos visitava, quase sempre,  na hora do almoço.

       Minha relação com Antônio tinha sido muito semelhante a que Brandão iria ter com ele mais tarde. Ambos o reconhecíamos como um homem bom, de grande sensibilidade e que adorava “filar uma boia”. Esta afinidade com Antônio foi também uma forte motivação para nossa viagem.


       Voei a Brasília, de onde partimos de carro, a Caravan de Brandão, que a tratava, com todo o desvelo, pelo nome de Cavy, para uma viagem de 700 km até a região do Templo. Seguimos o plano detalhado que Brandão preparou com a meticulosidade que lhe era peculiar. Comidinhas embaladas em alumínio e conservadas na geladeira de isopor, bebidas em caixinhas igualmente conservadas; restaurantes, hotéis e postos de gasolina marcados no Guia Quatro Rodas, o GPS da época.

       Passamos a noite em Barra do Garças e, na manhã seguinte, seguimos por mais 150km até Nova Xavantina. Hospedamo-nos no hotel convencionado, almoçamos e fomos ao encontro de Antônio, nosso amigo, encarregado do Templo, que também lhe garantia sua habitação.

       O reencontro foi marcante! Já na porta do Templo, trocamos nossas histórias desde a época em que nos víamos com frequência, muitos anos antes. Explicamos a ele os motivos de nosso afastamento do convívio com a Sociedade, embora nunca nos tivéssemos afastado de sua filosofia e da prática de seus princípios, o que, aliás, estava ali sendo evidenciado por nossa visita a Nova Xavantina.

       Brandão manifestou então o objetivo primeiro de nossa viagem, mais ou menos da seguinte forma:
nos
      - Meu amigo Antônio, gostaríamos muito que você nos abrisse a porta do Templo para uma visita. Viajamos juntos, Roberto e eu, por mais de 700 km, tendo ele antes disso viajado muito mais, pois veio de São Paulo a Brasília, para que pudéssemos, agora juntos, receber, mesmo que por poucos instantes, estas emanações tão sublimes que já experimentamos tantas vezes em outros tempos e em outros templos da Sociedade. 

       A solenidade das palavras era típica dos discursos de Brandão, tenham ou não sido elas aqui reproduzidas com fidelidade. Sentindo Antônio um pouco constrangido com a ênfase impositiva da retórica de Brandão, tentei aliviar um pouco a tensão, fazendo ver a ele que tínhamos consciência de que, apesar de todo nosso empenho, cabia a ele, como responsável pelo Templo a palavra final sobre a quem deveria autorizar visitas. Apenas emendei, ao final da fala de Brandão:

       - Mas, se você achar que isso está fora das normas da Sociedade, evidentemente poderá dizer que não...
     
       Em seu sotaque português, em tom sério de quem cumpre seu papel de guardião de um monumento que não pode ser maculado por pessoas estranhas aos mistérios da Sociedade – que não era nosso caso, pois apenas nos afastáramos por questões pessoais - Antônio, respondeu, para nossa frustração:


       - Pois eu direi que não!

       Não é preciso dizer que esta frase, que encerrou nossa conversa com Antônio bem como a expectativa de ver recompensada a longa viagem que fizéramos, virou chavão nas conversas posteriores entre Brandão e eu.

       Quando havia uma contradição entre a vontade de Brandão e a minha, aquele que discordava da proposta colocada respondia, imitando o sotaque português de Antônio:


       - Pois eu d’rei q’não!!