QUERER VADIO, CERTEZAS OCAS
Falo do meu tempo com certa inveja,
com certa cautela flácida.
Não um tempo disforme, morno, assustado,
mas um tempo aguçado, desforrado. Encantado.
Tempo convicto, meio rebelde,
que bagunça meus guizos avessos,
que me faz virar velho-menino,
sem pavio, sem esteio, sem rima.
Falo do meu tempo serelepe,
um tanto saci, um tanto bruxa malvada,
que trago enfurnado nos meus trapos,
como dádiva benzida pelos reis que fiz,
pelos escravos que saciei dentro de mim.
Tempo desgarrado, maduro, curado, afiado,
que se diz poente enquanto sacia meu querer vadio,
suor já domado entre cachos de voz aflita,
entre palavras difusas que saem bêbadas,
daquelas catacumbas que estreio a toda hora.
Tempo meio mesquinho, talvez puído, meio caolho,
que sinto seus passos arremetendo perdão,
desgarrando sem pedir asilo,
sem ousar transgredir meu útero perdido,
perdido nessa multidão encrustada de mim.
Falo de um tempo mendigo, refugo de fé,
que escorre de mim numa gosma feliz,
num paredão de certezas ocas, abruptas,
pleno de verdades farsantes, todas elas, todas sim.
Então desse tempo guerreiro e absolvido,
de ancas toscas e soberbas,
vou desencarnando meus frangalhos,
um a um sem pressa, sem angústia, sem torpor.
Agora, já derrapado nessa ladainha de tempo,
posso, por certo, reverter alguns laços,
alguns candangos, ciganos raros,
que vou degustar, espero,
espevitado dentro de mim.