O que você faria se um dia acordasse sem enxergar?
Vou lhes falar sobre o dia em que acordei cega, mas, antes, de iniciar minha história, preciso dizer que ficar cega foi a coisa mais importante, desafiante e incrível que aconteceu na minha vida!
Na manhã de um 17 de abril qualquer, acordei bem cedinho, sem conseguir ver, passei alguns segundos em frente ao espelho, tentando abrir meus olhos com as duas mãos, mesmo assim não conseguia ver, deitada, passei vários minutos abrindo e fechando os olhos, pensando que esse exercício faria eu voltar a ver. Cerca de dez minutos abrindo e fechando os olhos, senti, como se houvesse saído um tampão dos meus ouvidos, de repente, ouvia muitos barulhos, sons cheguei a ouvir até sussurros do meu vizinho que mora no apartamento num andar depois do meu, as orações da manhã da vizinha do lado, ouvia o som de todos os meus órgãos, o chão parecia distante e meu corpo, desiquilibrado.
Murmurei baixinho: estou cega… fiz uma breve retrospectiva da minha vida, colocando todos meus sonhos e gostos no passado, porque pensei que minha vida havia acabado. Lembrei que recentemente havia completado trinta anos e estava cursando um dos cursos de pós-graduação mais concorridos do país, havia passado por algumas graduações na Universidade Federal do Maranhão, havia passado em um concurso, mas, como não gostei da experiência, resolvi pedir exoneração para me dedicar aos estudos, amava sair com amigas, amava viajar, cultivava alimentos orgânicos, gostava de assistir óperas, ir ao cinema, desenhar e fazer xilogravuras, além, de declamar poemas em voz alta, quando não tinha ninguém para conversar. Lembrei ainda, que vivia um casamento feliz.
Parei de pensar e chamei meu esposo e disse de uma maneira calma: “estou cega”. Ele pensou que se tratava de uma brincadeira boba. Chegou perto de mim, com a intenção de me repreender, mas, ficou estático ao me olhar sentada na cama, pegou no meu rosto e disse que meus olhos estavam muito vermelhos. Ouvi sua voz trêmula, suas mãos tremiam e estavam frias e suadas. Olhei para ele, mas, não conseguia mais enxergar as expressões do seu rosto.
Ficamos cerca de três minutos em silêncio, até que eu o chamei de lindo. Não sei o porquê, mas, naquele dia, meu esposo parecia mais lindo, mesmo eu não podendo ver seu rosto, eu podia sentir sua pele e seu coração como nunca havia sentido. Ele não conseguia se mover, ficou parado e pensativo. Eu levantei e fui preparar nosso café da manhã. Em seguida fomos para o hospital, o diagnóstico saiu depois de muitos exames, enfim, a cegueira, era irreversível.
Ao ouvir o diagnóstico meu esposo ficou desapontado e desesperado, perguntou ao médico se era possível um transplante que ele poderia me doar um olho… reclamou… chorou e depois ficou em silêncio profundo. Percebi o quanto ele estava frágil naquele momento e escolhi ser forte e resistir por nós dois.
No dia em que fiquei cega, não chorei e nem gritei, apenas, senti saudades da minha infância, da vida na roça e dos meus irmãos. Pensei nesses momentos felizes da minha vida, para não pensar que naquele momento estava só eu e a cegueira, era, eu e ela. Era assombroso porque, meus olhos não enxergavam nada, mas, me sentia como se estivesse enxergando o mundo pela primeira vez.