Os Muitos que Somos

 

 

            Às vezes me pego em nostalgia. Quando mais jovem – e lá se vão algumas décadas – não me lembra ficar a divagar nas nuvens do passado. Olhava para frente, em busca do que seria e faria. Agora, vez ou outra, ou porque não tenho o que fazer; mergulho em tentação e cá estou a meditar sobre o que fui.

 

            Já tive ímpetos comunistas. Era incrível ver aquele símbolo imponente: U.R.S.S – quem não sabe o que significa que vá plantar batatas, não sou tão velho assim.

 

            Explico que fui criado e cresci em meio ao regime militar, que usou por bem tirar da cartola um milagre que virou pó, e ao pó tornarás, após os árabes – e Osama não estava nem aí – subirem o preço do petróleo aos píncaros. O milagre derreteu como a cera das asas de Ícaro e o Brasil caiu das nuvens gerando do seu útero fértil e retumbante o temível dragão da inflação.

 

            Era chique ser vermelho naquela época. Meus professores eram ou vermelhos ou adeptos do verde-oliva – debates acalorados. Ficávamos no meio do fogo cruzado e entre a versão oficial e permitida e os segredos por detrás do Muro de Berlim, queríamos saber quem era Marx.

 

            Adolescentes são fascinados pelo novo e estávamos em um mundo de descobertas: sexo, política, religião (ter ou não ter), crises econômicas e de identidade. Minha geração dançou com Olívia Newton Jones e John Travolta. Todos caíamos nos embalos de sábado à noite – e não havia perigo ao voltar para casa. As drogas apenas começavam a lançar suas garras sobre nossas cabeças – éramos inocentes.

 

            Um dos livros que fez minha cabeça foi “Capitalismo para Principiantes”, de Carlos Eduardo Novaes. Em tom de bom-humor ele traçou a história do homem-lobo-do-homem e como acumulamos riquezas. Decidi que, se virasse escritor, apelaria para o bom-humor. Fui crescendo e deixando minha vocação comunista (será?). Fui criado em colégio Católico e Jesus Cristo me fez enorme bem. Deixei-o meio de lado na época do brilho rublo, mas não me esquecia de rezar. Comunista que reza? Não, nunca fui comunista, pelo contrário, gostava dos debates e da revolução das idéias, mas a maioria dos que praticavam aquele culto não estudavam, eram inflamados e tinham pouco bom senso (luta armada? Sou da paz. Estou fora!).

 

            Entrei para a ala dos estudiosos e que praticavam esportes. Não era um “mauricinho”, mas gostava de me vestir com certo apuro. Era questão de sentir-se bem.

 

            Fico então pensando nos muitos “eus” que fui e em minhas múltiplas e indecisas incorporações: rebelde sem causa, atleta, estudante, romântico, religioso, desligado, introvertido, mas com explosões de alegria; e concluo que a vida consiste em viver cada fase aprendendo, caindo e se levantando. Saudemos os muitos que todos já fomos e ainda seremos.