MILAGRE NATURAL DO AMOR

Parecia uma manhã ensolarada como outra qualquer, sem novidades. Na frente da casa, a mangueira, sempre de aspecto soberbo e gigantesco, ostentava a sua graça; o sol, como de costume, cintilava com intensidade e se notava um revérbero nas flores amarelas da sibipiruna e nas plantas de menor porte como as azaleias. E, diga-se de passagem, inúmeras aves adornando e alegrando o espaço aéreo, tanto pela beleza de suas penas, como pelo incrível voo. Desde os empolgantes bem-te-vis, sabiás e azulões, aos pequeninos e encantadores beija-flores e alvoroçados papa-capins da espécie “capuchinho”, além de um ou outro sanhaço, várias rolinhas e pardais. Vez por outra, acontece até de um ou outro audacioso “caracará” com a envergadura nas asas de mais de cem centímetros de comprimento, ou o belo tucano do cerrado, dotado de bicos enormes, nos surpreender com a sua inopinada aparição nas altas copas das árvores.

Eu me achava com tranquilidade, pela manhã, na sala, quando escutei um tremendo barulho. Foi como se algo viesse com extrema velocidade ao encontro do vidro da porta, há algum tempo constituído de película, e se chocasse contra ele bruscamente. Bastante assustado, mas já antevendo o que pudesse ter acontecido, corri a abrir a porta, com toda a rapidez, e deparei com algo estirado no piso do alpendre. Tratava-se de uma rolinha, a espécie mais comum nos arredores, conhecida como “rolinha roxa”, e em alguns lugares do país, chamada de “caldo de feijão”, e pelo fato de ser menor e da coloração mais escura, podia se dizer fêmea. Imaginei logo que a pobre avezinha, ao voar, alvoroçadamente, pode não ter percebido o forte obstáculo do vidro na sua frente, no momento do choque, e pelo seu campo visual, confundido com o ambiente livre.

Felizmente, fatos dessa natureza são raros de ocorrer por lá. No primeiro instante, a ave inerte parecia não dar qualquer sinal de vida. Mas ao acomodá-la entre as minhas mãos, notei que ainda arquejava, respirava com extrema dificuldade. No entanto, os olhos miúdos mantinham-se semicerrados, e a cabeça apenas ligeiramente inclinada. Pelo menos, podia-se imaginar que não fora essa parte do corpo a se chocar com veemência; provavelmente, não resistiria por nenhum segundo a mais, se porventura o incidente resultasse na fratura do crânio, pensei comigo mesmo. Ainda assim, preocupei-me com outras partes, ao examinar, atentamente, os membros das patinhas, o dorso escuro, o peito e as asas.

Sentei e pus-me a acariciar a rolinha com as pontas dos dedos, por alguns segundos, enquanto ela continuava a respirar de maneira muito curta e forçada. Depois, transportei-a até o tanque da área de serviços, girei a torneira e comecei a banhá-la, levemente, umedecendo-a um pouco pela cabeça, penas, todo o seu corpo, na esperança de que o frágil bichinho se restabelecesse prontamente. Mantinha a respiração cada vez mais arquejante, como se já lhe restasse somente um diminuto resquício de vida, e os olhos já completamente cerrados. Levei-a até o meu peito, com ambas as mãos, mantive-a junto à altura do próprio coração, durante algum tempo, sem deixar de acariciá-la com ternura, enquanto mirava o esplendor solar da manhã e apreciava as folhas verdes límpidas da jabuticabeira presente no terreiro, já bem florida, preste a dar frutos, e a pitangueira bastante adornada de seus inefáveis e saborosos frutinhos vermelhos.

Depois, já um tanto desanimado e sem esperança, depositei a avezinha num dos muitos vasos de flores do alpendre e fui tratar de outros afazeres. Naquele instante, todo o alento possível evadiu-se de mim, e eu parecia não ter mais qualquer força e coragem emocional para presenciá-la de vez entregue ao fim derradeiro. A morte é algo inevitável e implacável tanto para os humanos, quanto para os entes da natureza. Provavelmente, no meu retorno, a grande tristeza; a encontraria deveras expirada; decerto, encerraria naquele momento, a sua curta existência, seria o fim da sua liberdade alada entre todas as outras aves que insistem em nos alegrar somente com a sua presença.

Foi com esses sombrios pensamentos então, que me dirigi novamente ao alpendre. A rolinha mantinha-se aparentemente bem imóvel no mesmo vaso em que a deixei. Aproximei-me mais e ao tateá-la com leveza, para a minha grande surpresa, ergueu a cabeça, assustada, e, inopinadamente, voou com toda a ligeireza e força nas asas, em direção a uma castanheira próxima.

Longe de me indagar sobre uma possível ingratidão de sua parte, apenas sorri, num pleno agradecimento a todo o brilho de liberdade singular estampado naquela hora do dia.

Wagner Andrade
Enviado por Wagner Andrade em 17/06/2019
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