Nunca Fui Beijado
"Viver sem amor é a coisa
mais estranha que existe".
— Belle Vic
Seus olhos, suas mãos, seu batom, sua boca — nossas bocas. Tudo era tão duvidosamente confortável e contraditoriamente intimidante que. Ela insistiu, eu insisti e no fim das contas poucos segundos durou.
Nas rodas de amigos, aquelas entre uma aula e outra, embora houvesse muitas mentiras e diversas dúvidas de garotos claramente confusos, o assunto era quase sempre recorrente. Estávamos todos à procura do primeiro beijo. Se me perguntassem, a resposta já estava ensaiada: "fiz, mas só uma vez" — não conseguia mentir demais sobre isso. Quando perguntavamos aos outros, as respostas eram variadas, desde "faço todo dia" a "tive o primeiro com a amiga da minha mãe". Tudo mentira. E todos sabíamos. O que também sabíamos era que, uma hora ou outra, aconteceria. Mas embora houvesse tal certeza, quanto mais o tempo passava mais aumentava a sensação de incompletude. Foi quando então, em algum momento naquela época, finalmente acontecera comigo. Tudo que sabia a respeito havia sido lido em revistas ou ouvido de amigos, por falta de experiências empíricas, acreditava ser algo possível de se improvisar no devido momento, acreditava que não fugiria muito das minhas fantasias, dos momentos imaginários que eu tinha junto aos amores impossíveis de infância. No entanto, fugiu.
Diferentemente de tudo que pensei, meu primeiro beijo foi com alguém da qual eu nunca havia, mesmo que ingenuamente, sonhado. O corpo estava ali, funcionando no modo automático, enquanto a mente permanecia atenta a tudo. Pensava no fato daquela língua à procura da minha, no gosto bom de seu batom, no fato de estar ficando excitado e haver uma moça encostando em mim. De tudo que veio-me naquele momento, a sensação de que aquilo estava sendo especial foi a única que não se fez presente. Acabamos. Fomos cada um pra um lado e tudo aquilo virara apenas lembrança. Nada mal para um beijo do qual nenhum esforço fiz para conquistar, nada mal para um beijo roubado — por ela.
Aos amigos a resposta mantinha-se: "fiz, mas só uma vez"— e alegrava-me dizer isso, pois isso agora não seria mais uma completa mentira. Mas houve outras. Haverá sempre outras. Então mais tarde, tive a chance de um beijo conquistado por mim. Ela era alta, bem bonita e bem atraente. E nas rodas de amigos o assunto agora era sobre "comer ou não comer". Quando me perguntavam, a resposta, novamente, era automática: "vou comer". Pura mentira. E uma mentira que nem eu mesmo sabia que era. Ela estava noiva e evitava andar comigo, nos viamos sempre em lugares fechados, e por pouco tempo, e por poucas vezes. Nós nos beijamos, nos beijamos mesmo, porém desta vez não pensei sobre a língua ou sobre o batom — que ela nem usava. Desta vez houve apenas a excitação. Após alguns encontros, o destino foi quem encarregou-se de nos distanciar, e nunca voltei a vê-la.
Entre namoradas, noivas ou esposas infiéis, encontros esporádicos e beijos roubados, haverá sempre outras. Houve outras. E todas elas sentiram o mesmo sabor. Às vezes posso senti-lo também, o gosto mofado na boca, o gosto de algo falecido aqui dentro. Um falecimento que se deu desde aquele meu primeiro beijo.
Naquela época ainda não sabia, mas meu primeiro beijo seria como todos os outros seguintes. Ele não foi como num final de um romance dos anos 90, não teve platéia, música de fundo, olhos fechados, declarações ou coisas assim. Foi promíscuo, subversivo, indiferente, seco, emocionalmente seco. Meu primeiro beijo teve de tudo um pouco, meu primeiro beijo, assim como por toda a minha vida, só não teve foi amor.
- Dedicado a alguém que já se foi.