O Turismo do medo

Recordo-me bem daqueles dias, apesar de já ter passado tanto tempo: era adolescente quando se deu o acidente nuclear de Chernobil. Apesar da cortina de ferro, apesar do silêncio do autoridades soviéticas, de imediato se percebeu que algo de muito, muito sério se tinha passado a Leste.

Nos dias, nos meses seguintes, o medo tomou conta de nós, e ainda hoje desconhecemos as consequências na saúde humana, imaginando-se "apenas" que este acidente terá causado um número elevadíssimo de cancros e de inúmeras outras doenças.

Ora um destes dias li que o turismo em Chernobil está a aumentar. Não deixam visitar a central nuclear, mas Pripyat (a cidade onde habitavam os trabalhadores e totalmente evacuada nos dias que se seguiram ao desastre) tem livre acesso. Ora a cidade fica a apenas 3 km da Central, o que em termos radioactivos é quase nada...

Interrogo-me se a indústria do turismo não terá perdido a cabeça, porque nem tudo está à venda nem tudo é visitável, existem lugares que pura e simplesmente só deveriam ser visitados em imagens, e a desculpa do dinheiro ser indispensável aos locais visitados, é uma desculpa esfarrapada, que esconde a ganância desenfreada do lucro que parece ter tomado conta da humanidade...

E só gostaria que a malta que corre, fascinada, às ruínas de Pripyat, além de ler o que se passou naqueles dias sombrios de Abril de 1986, sentisse também um bocadinho do medo que nós sentimos. Talvez assim pensassem duas vezes, antes de se atreverem a visitar um dos lugares de maior terror da minha adolescência...

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 16/06/2019
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