KINDLE
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A estante vazia, um milhão de livros em nuvem, um leitor contumaz, uma sensação de desprazer pelo toque digital, que vira a página e percebe que seu papel ficou inútil, o tato perdeu o sentido, anosmático sem lesão aparente, disgeusia que invadiu o tira-gosto, a sustentável leveza da montanha de livros empilhadas numa traquitana de última geração, sem peso, carregado de sabedoria, mas sem aquela sensibilidade e amor que tanto o acompanhava, e que era vista sobre o criado-mudo, no sofá, na privacidade do toalete e demais cantos da casa. Agora sobra espaço, mas não há com o que ocupá-lo, fica um vazio que a cabeça velha apenas aceita resignadamente, como um tributo à modernidade, que invadiu seus papéis sem pedir licença.