CIDRÓ CHEIROSO
Quando menino, eu cruzava um riacho ao fundo do nosso quintal e a pouca distância estava na casa de dona Juvina e seu Maneco.
Um casal de idosos, extremamente carinhosos, que viviam num casarão de madeira imerso numa extensa campina verdejante por onde o gado pastava a placidez dos tempos.
[ À isso os gaúchos denominam coxilha ]
Havia sempre um agradinho - coisas muito singelas - à minha espera e eu sabia disso.
Quantas canequinhas de café com leite acompanhadas de mandioca frita ou pão de fornalha besuntado à banha de porco temperada ,me foram servidas entre aquelas paredes rotas por onde a maciez das vozes do casal davam o tom a ternuras que jamais se esquecem.
Ao redor do fogão eu ouvia os mais encantadores "causos" e relatos que até hoje me perseguem nas lembranças mais bonitas.
Mas não era tudo. A casa de Juvina guardava um odor agradável, inesquecível, por conta da vassourinha de cidró cheiroso que depois de incensar o assoalho, permanecia pendurada atrás da porta da cozinha.
Tia Lucinda, que morava proximo à nossa casa,era um tanto mística.Assim, as tardes eram cheirosas por conta das defumações que ardiam num canto do terreiro depois de varrido.
Sobre o amontoado de folhas, eram colocados galhos de cidró cheiroso que ardiam no braseiro espargindo pelo ar a delicadeza de seus odores.
Mais tarde, tia Luiza - que adorava rosas - vindo morar conosco, fez surgir de suas mãos o que ela denominara "O caminho do lenheiro".
Era um carreirinho em curva que acabava no local onde rachava-se lenha para alimentar o fogão, todo ladeado de roseiras e alecrins
O trajeto era varrido todos os dias com a famosa vassoura de cidró cheiroso .Por conta disso, um bouquet onde misturavam-se rosas, alecrins e cidrós, rescendia pelos quatro cantos do quintal.
Foi-se o tempo ! Mudaram-se os hábitos, enfim...
Um dia,dona Maria - que hoje mora em outro plano - aparecera em nossa casa trazendo uma mudinha da mencionada planta.
Tenra, acanhada, ajeitada num punhadinho de terra.
Lembro-me de suas palavras : "Plantem ! Eu sei que vocês gostam desta erva. Um dia, quando eu não mais estiver por aqui, terão nela uma lembrança desta vizinha que tanto lhes quer bem."
Resumindo: A plantinha cresceu, tornou-se uma árvore de pequeno porte e ,por força de uma ventania, foi ao chão.
Ficamos entristecidos e tentamos de todas as formas refazê-la a partir de lascas de seus galhos.
Tentativas inúteis ! É uma planta dos campos e não é fácil replantá-la.
Um dia, para nossa surpresa, deparamo-nos com um pequeno arbusto de cidró, degladiando-se com algumas ervas daninhas num canto do quintal.Livramos-lhe dos inimigos e êle é hoje,uma árvore de porte médio que à cada janeiro, abre-se na delicadeza de diminutos cachos de flores brancas e cheirosas a resgatar as lembranças de dona Maria Lino, nossa inesquecível amiga.
Aprendemos ainda, que muito além de propiciar cheiros agradáveis, o cidró age como calmante natural além de prestar-se como otimo condimento na cozinha.
Aves, peixes e outras carnes, ficam mais saborosas quando temperadas com suas folhas.
Taí ! Sou matuto assumido. Caipirão mesmo , que adora coisinhas básicas - tipo cidró cheiroso - insignificantes aos olhos dos outros mas grandiosas aos meus.
PS.Nos meus bons tempos de piá (e todo piá do interior ama um banhado) descobrimos, meus amigos e eu, um jeito de camuflar nossas inhacas de banhados ao chegar em casa.
Assim,esfregávamos galhos de cidró cheiroso pelo corpo.O resultado era um odor ligeiramente alavandado que permanecia por um bom tempo na pele.
A partir daí, as "encrencas" de nossas mães por conta dos antigos odores ficaram bem mais amenas.
Texto reeditado.Preservados comentários ao texto anterior:
07/02/2018 23:00 - Dartagnan Ferraz
Joel, você se superou, esse seu texto é antológico, lindíssimo, prosa poética, eu diria que tem a força de Águas de Março, com uma vantagem, fon Juvina,o marido, tia Lucinda e o cidró. Tem até o cheiro, das plantas e das comidas, e a força da natureza. Abraço
Quando menino, eu cruzava um riacho ao fundo do nosso quintal e a pouca distância estava na casa de dona Juvina e seu Maneco.
Um casal de idosos, extremamente carinhosos, que viviam num casarão de madeira imerso numa extensa campina verdejante por onde o gado pastava a placidez dos tempos.
[ À isso os gaúchos denominam coxilha ]
Havia sempre um agradinho - coisas muito singelas - à minha espera e eu sabia disso.
Quantas canequinhas de café com leite acompanhadas de mandioca frita ou pão de fornalha besuntado à banha de porco temperada ,me foram servidas entre aquelas paredes rotas por onde a maciez das vozes do casal davam o tom a ternuras que jamais se esquecem.
Ao redor do fogão eu ouvia os mais encantadores "causos" e relatos que até hoje me perseguem nas lembranças mais bonitas.
Mas não era tudo. A casa de Juvina guardava um odor agradável, inesquecível, por conta da vassourinha de cidró cheiroso que depois de incensar o assoalho, permanecia pendurada atrás da porta da cozinha.
Tia Lucinda, que morava proximo à nossa casa,era um tanto mística.Assim, as tardes eram cheirosas por conta das defumações que ardiam num canto do terreiro depois de varrido.
Sobre o amontoado de folhas, eram colocados galhos de cidró cheiroso que ardiam no braseiro espargindo pelo ar a delicadeza de seus odores.
Mais tarde, tia Luiza - que adorava rosas - vindo morar conosco, fez surgir de suas mãos o que ela denominara "O caminho do lenheiro".
Era um carreirinho em curva que acabava no local onde rachava-se lenha para alimentar o fogão, todo ladeado de roseiras e alecrins
O trajeto era varrido todos os dias com a famosa vassoura de cidró cheiroso .Por conta disso, um bouquet onde misturavam-se rosas, alecrins e cidrós, rescendia pelos quatro cantos do quintal.
Foi-se o tempo ! Mudaram-se os hábitos, enfim...
Um dia,dona Maria - que hoje mora em outro plano - aparecera em nossa casa trazendo uma mudinha da mencionada planta.
Tenra, acanhada, ajeitada num punhadinho de terra.
Lembro-me de suas palavras : "Plantem ! Eu sei que vocês gostam desta erva. Um dia, quando eu não mais estiver por aqui, terão nela uma lembrança desta vizinha que tanto lhes quer bem."
Resumindo: A plantinha cresceu, tornou-se uma árvore de pequeno porte e ,por força de uma ventania, foi ao chão.
Ficamos entristecidos e tentamos de todas as formas refazê-la a partir de lascas de seus galhos.
Tentativas inúteis ! É uma planta dos campos e não é fácil replantá-la.
Um dia, para nossa surpresa, deparamo-nos com um pequeno arbusto de cidró, degladiando-se com algumas ervas daninhas num canto do quintal.Livramos-lhe dos inimigos e êle é hoje,uma árvore de porte médio que à cada janeiro, abre-se na delicadeza de diminutos cachos de flores brancas e cheirosas a resgatar as lembranças de dona Maria Lino, nossa inesquecível amiga.
Aprendemos ainda, que muito além de propiciar cheiros agradáveis, o cidró age como calmante natural além de prestar-se como otimo condimento na cozinha.
Aves, peixes e outras carnes, ficam mais saborosas quando temperadas com suas folhas.
Taí ! Sou matuto assumido. Caipirão mesmo , que adora coisinhas básicas - tipo cidró cheiroso - insignificantes aos olhos dos outros mas grandiosas aos meus.
PS.Nos meus bons tempos de piá (e todo piá do interior ama um banhado) descobrimos, meus amigos e eu, um jeito de camuflar nossas inhacas de banhados ao chegar em casa.
Assim,esfregávamos galhos de cidró cheiroso pelo corpo.O resultado era um odor ligeiramente alavandado que permanecia por um bom tempo na pele.
A partir daí, as "encrencas" de nossas mães por conta dos antigos odores ficaram bem mais amenas.
Texto reeditado.Preservados comentários ao texto anterior:
07/02/2018 23:00 - Dartagnan Ferraz
Joel, você se superou, esse seu texto é antológico, lindíssimo, prosa poética, eu diria que tem a força de Águas de Março, com uma vantagem, fon Juvina,o marido, tia Lucinda e o cidró. Tem até o cheiro, das plantas e das comidas, e a força da natureza. Abraço