Jeitinho...Brasileiro ?

Antônio acordara bem cedo naquela quinta-feira. Queria chegar ao trabalho o quanto antes, pois existia um volume de tarefas bem razoável aguardando por ele. Queria ganhar tempo. Envergava sua camisa branca e calça social que sua esposa havia passado na noite anterior, além de uma gravata de bolinhas verdes que odiava (presente de seu chefe - tinha que usá-la, pois visava uma promoção há algum tempo). Dirigia com uma das mãos, pois com a outra fazia uma ligação em seu celular. Não via problema nisso, era um recado rápido. Por desatenção, acabara de ultrapassar o sinal vermelho. Parou um pouco mais adiante para comprar um cigarro, seu maço estava já nas últimas unidades. Na volta, qual não foi sua surpresa! Seu carro estava sendo guinchado. Havia estacionado em local proibido. De relance, calculou o quanto tudo aquilo iria lhe custar - a infração, o custo do guincho, os custos com o pátio. Isso sem contar as multas que teria que pagar por conta dos faróis desregulados, extintor vencido, assim também como sua CNH, vencida há mais de 30 dias. Tudo aquilo iria sair bem caro. Gritou com seus botões alguns impropérios, enquanto se dirigia ao guarda de trânsito - chegara até a citar sua progenitora, coitada ! Depois de muita conversa, consegue convencê-lo a não levar seu veículo, e nem a aplicá-lo a multa devida. Discretamente, agracia o compassivo guarda com algumas notas, por sua oportuna compreensão. Segue para o trabalho, aliviado por ter conseguido atenuar a situação. Chega ao trabalho, entra direto no escritório. O ramo era contabilidade - Antônio sempre foi bastante competente em suas tarefas, bem familiarizado com toda a rotina. Alimentava planilhas e mais planilhas com as notas fiscais recebidas de diversos estabelecimentos comerciais. Seu principal cliente era uma rede de postos de gasolina que rendia quase 40% do faturamento do escritório. Conforme entendimentos do dono da rede de postos e de seu chefe, Antônio sempre lançava as notas em valores abaixo da realidade, e com isso, o recolhimento de impostos seria sempre menor. Isso garantia ao escritório a preferência do cliente, e todos saíam ganhando. Já era natural este procedimento - e dependendo, às vezes era até sugerido a clientes ainda em dúvida sobre a contratação dos serviços de sua empresa, como se fosse uma vantagem competitiva. Faz uma breve pausa para o almoço com os colegas. No caminho, encontra em uma barraca de camelô, um DVD do filme que sua filha estava louca para assistir, e que ele havia prometido levá-la ao cinema. Em cálculos rápidos - Antônio era bom nisso -, vislumbrou a possibilidade de economizar com as entradas e pipoca no cinema, e ainda por cima agradar a garotinha, e acabou comprando. Volta para casa, dá um beijo em sua esposa e em sua filha, e conta a novidade. Promete que depois do jantar, assistirão juntos ao filme que comprara à tarde. Joga-se no sofá, apanha o controle remoto e começa a zapear os canais de sua TV a cabo, instalada há alguns meses por intermédio de um conhecido seu - não pagava nada. Apesar de todos no bairro também possuírem acesso aos canais, ninguém na verdade sabia quanto custava uma assinatura daquilo. Se depara com o noticiário da TV, sobre os recentes escândalos políticos em Brasília - mensalões, corrupção ativa e passiva, propinas, improbidades administrativas, privilégios. Suspiro. "Simplesmente, um absurdo!", Antônio pensa lá com seus botões. Resolve não se chatear com aquilo tudo. Chama sua filha e juntos, assistem ao filme. Ao término, leva a pequena nos braços para a cama, retorna para o seu, beija a esposa. Depois, com a consciência tranqüila, dorme o sono dos justos.

Marcio Roque
Enviado por Marcio Roque em 24/09/2007
Reeditado em 24/09/2007
Código do texto: T667068