Orientação vocacional

Alunos do Colégio Estadual Doutor Octávio Mendes (CEDOM), cursávamos a segunda série ginasial, que hoje corresponderia à sexta série do ensino fundamental. Tínhamos um novo professor de Biologia que, sem sabermos a razão, substituía a querida professora Maria Caleffi. Era um homem de meia idade, já lhe faltavam cabelos no alto da cabeça. Para compensar, ostentava um vasto bigode, incomum entre os professores daquela época. E falava com uma entonação diferente, dir-se-ia que vinha de outro estado, mais ao norte. Apesar de já não ser um jovem, era inexperiente. Os alunos logo perceberam sua insegurança. Mas ele cumpria os deveres de um professor, demonstrava algum conhecimento da matéria, era esforçado. Então foi tolerado.

Um dia, passou-nos um trabalho para ser feito por duplas de alunos: deveríamos fazer uma coleção de folhas diferentes, de todo tipo de plantas, árvores, arbustos, ervas. As coleções, que receberiam nota do professor, serviriam depois para estudarmos as folhas no laboratório da escola, classificá-las, descobrir suas adaptações e funções, e se possível identificar a planta e conhecer-lhe os hábitos e eventuais utilidades.

Logo nos juntamos Orlando e eu numa dupla, que parecia bem conveniente. Éramos vizinhos, morávamos lá na Santa Inês, uma periferia bem distante, cheia de terrenos baldios com muitas árvores e mato por perto, onde com certeza conseguiríamos reunir uma sortida coleção de folhas.

E assim fizemos. Com um crescente interesse, por vários dias perscrutamos os matagais das redondezas, observando as folhas como nunca fizéramos antes, recolhendo uma de cada espécie, a que nos parecia mais bonita, mais simpática. Pouco a pouco, ia-nos encantando a revelação de como cada planta desenvolvera, a seu modo, o jeito de transformar a luz do sol em vida. Havia as folhas pequenas, as grandes, as solitárias, as em ramas, as com bordas lisas, serrilhadas, onduladas, as com nervuras paralelas, ou em mosaico, ou em espinha de peixe, as com forma arredondada, em lança, espalmada, ovalada, as com superfície lisa, aveludada, oleada, as que traziam pelos e até espinhos, as de cor verde claro ou escuro, as acinzentadas, as azuladas, as avermelhadas, as alaranjadas, as listradas, as pintalgadas...

E começamos a perceber que certas folhas eram parcial ou totalmente devoradas pelos insetos, algumas traziam sinais de mau desenvolvimento, talvez por uma doença ou falta de nutrientes, outras portavam umas deformações que pareciam verrugas, que depois aprendemos serem galhas, geradas por minúsculos não convidados e incômodos hóspedes.

Todo este universo vegetal, de que não tínhamos nos dado conta antes em nossas despretensiosas perambulações pelos matos, foi nos deslumbrando, nos apaixonando. Todas as manhãs, antes das aulas da tarde, sair em busca de novas folhas para enriquecer a coleção foi se tornando uma prazerosa obrigação, a coisa mais importante que fazíamos por aqueles dias. E já não nos bastavam os matagais próximos, de bicicleta íamos às matas de lugares mais distantes, onde havia um mundo de plantas diferentes, com suas folhas a aumentarem e diversificarem a coleção. As excursões eram ao mesmo tempo a descoberta de novas plantas e folhas, a promessa de muitas aventuras com os perigos e surpresas do mato e um justificável pretexto para escaparmos das aborrecidas tarefas caseiras.

Vendo nosso entusiasmo, meus pais e a Nira, minha irmã mais velha, que na época já cursava o terceiro científico de ciências biológicas, equivalente à terceira série do ensino médio, animaram-se a nos apoiar. Minha irmã providenciou-nos um livro de botânica onde conseguíamos classificar o tipo de folha, ensinou-nos a colocá-las dentro de encartes de papel celofane transparente e a dispô-las, classificadas e organizadas, num grande caderno de desenho com páginas brancas. Minha mãe nos financiou a compra do caderno, do papel celofane, da fita adesiva, da cola. Meu pai franqueou-nos o uso e ensinou-nos a lidar com a máquina de escrever, daquelas mecânicas, com fita de pano de duas cores, naqueles tempos um requinte, atualmente uma antiguidade, mas que nos facultou elaborar rótulos muito adequados para as folhas classificadas.

E assim, com um insuspeitado empenho, fomos montando nossa coleção. O caderno de desenho era daqueles bem grossos, as páginas eram muitas, nosso entusiasmo e dedicação eram enormes. No dia da entrega dos trabalhos ao professor de Biologia, tínhamos um belíssimo catálogo. Orlando e eu espiávamos orgulhosos e presunçosos os cadernos que iam sendo colocados sobre a mesa do professor. O nosso destacava-se, era visivelmente mais bem feito, arrancava dos colegas comentários que eram um misto de espanto, de admiração, de ciúme...

Do professor, no entanto, notamos somente um olhar distante, frio, quase de desdém. Que no início não compreendemos bem, mas que mais tarde descobriríamos ser de incredulidade.

Duas semanas depois, o professor devolveu-nos os trabalhos, com as respectivas notas. Para nossa surpresa e decepção, a nossa era a menor da turma. Tiramos seis, todas as outras notas eram maiores que sete. Percebemos no ato que o professor presumira, equivocadamente, que não tínhamos sido Orlando e eu que fizéramos um trabalho tão bem feito.

Os colegas, que nos tinham na conta de honestos, até eles surpreendidos com tal injustiça, olhavam-nos inquiridores, à espera de uma reação. Hoje já não sei dizer por que não reagimos, engolimos calados aquele despropósito, talvez por medo, por respeito, por um implacável desalento decorrente de tamanho mau juízo...

Creio que nos limitamos a comentar o ocorrido com nossos pais, eles também não consideraram que fosse o caso de alguma intervenção mais aguda. Deixaram ficar como estava. E também não soubemos bem porque, o professor não durou na escola, logo foi substituído, não chegamos a realizar o pretendido estudo com as folhas. Os catálogos acabaram esquecidos.

O fato é que, dois anos mais tarde, Orlando e eu optamos pelo científico de engenharias, evitamos o de ciências biológicas. Orlando viria, anos depois, a formar-se engenheiro elétrico. Eu me tornei geólogo, profissão que me tem sido bastante gratificante. Mas, até hoje, nas andanças pelos ermos a estudar os terrenos e pedras, habitualmente flagro-me a me distrair, absorto, observando as plantas, e suas admiráveis folhas.

Publicado no livro "Canjica de castanha" (2019).