ELE MORREU !

ELE MORREU!

Por Therezinha Henriques

Não passava das 10 horas da manhã , pegava o ticket do estacionamento , quando um barulho de alguma coisa caída chamou-me a atenção . Fui verificar o que havia caído , parecia um pássaro e era : um filhote de pássaro .

O atendente nem sequer moveu-se . E , eu , desesperada , perguntei se tinham água com açúcar e nada , ele não se movia . Respondeu-me :

“ todos os dias morrem filhotes . Eles fazem ninho no telhado , caem e morrem .”

Corri até um bar mais próximo e pedi água com açúcar , dei ao filhote , que deu sinais de vida , consegui uma folha , e , alojei-o sob uma árvore. E, fui atender o cliente .

Quando retornei , antes que eu chegasse perto do filhote , o atendente adiantou-se : “ Eu não disse ? – Ele morreu ...”

Passei dias indignada com aquele atitude , para mim, extremamente , insensível . Comentei com várias pessoas que concordaram comigo .

Pensei até em fazer um protesto , sei lá , escrever nas redes sociais , fazer depoimentos a favor dos filhotes mal acomodados de tal sorte que todos tivessem a chance de fazer um ninho em um local seguro. Cheguei até a comentar que escreveria um texto com o título : Ele morreu e as pessoas me perguntavam e eu respondia a razão e , todos , sem exceção, acreditavam em mim , ou seja , me davam razão ., sensibilizavam-se com o filhote de pássaro e ainda emendavam várias histórias de injustiças com os animais .

Algumas semanas se passaram e o texto ainda não fora escrito . Certa manhã , por volta das 10 horas , em meu quintal , avistei um filhote de gambá , que , possivelmente , havia sido atacado pelo “Thel ( vulgo Theodoro ) “o gato aqui de casa .

Apressada para ir ao trabalho , peguei a pá e joguei o gambá do outro lado do meu quintal . Ainda naquele dia eu contei a um amigo de que em minha casa deveria ter ninho de gambás porque pela manhã encontrei .... etc. etc. etc.

O amigo respondeu-me : “ o gambá é um aninalzinho tão doce , gosta só de folhas e vegetais ... Que dó... “

Uau , um tiro no ... ( não posso dizer , mas talvez , no traseiro ) .

Eu, que há dias atrás indignei-me com a atitude daquele atendente , pintando-o com o negro da insensibilidade , enquanto tingia-me do azul angelical , estava , agora , diante de uma apavorante descoberta : Eu jogava no time dos insensíveis e , pior , no time dos insensatos julgadores de plantão , que , com a sua vidraça suja dizia que a vidraça do outro é que não estava limpa .

Tentei dissuadir-me de minha culpa , mas não teve jeito . A cada tentativa eu sentia-me ainda mais convicta de que eu fazia parte de um time que desrespeita o outro só porque ele não concorda comigo , que julga um comportamento sem , sequer , pensar no motivo deste agir.

Somos , na essência , vários juízes encarcerados em nossa sede de apontar culpados para ganharmos pontos de inocência , ou , simplesmente , para que as pessoas não nos vejam como somos e o pior , para que não nos vejamos como somos : em nossas necessidades , em nossos descaminhos , tristezas e infelicidades .

Em nossa automaticidade de comportamento vamos escolhendo, inconscientemente , em nosso dia a dia , quem será o alívio do dia .

Porque filhotes de pássaros e pássaros morrerão a cada dia , filhotes de gambás e gambás morrerão a cada dia e dentro de nós ? O que vai morrendo a cada dia?

Pensar em salvar e acolher todos os nossos sentimentos pode ser uma forma de despertarmos para a idéia de que olhar mais para dentro de si pode ser melhor para o outro e para nós mesmos .

Talvez seja melhor assim do que deixar que os outros nos apontem caminhos que podem não nos salvar e pode ser até que deixemos de apontar caminhos que parecem bons , mas não salva nem o outro e nem a nós e ainda : não salva nenhum filhote : nem do pássaro e nem do gambá

Therezinha Henriques
Enviado por Therezinha Henriques em 09/06/2019
Código do texto: T6669094
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.