Vazio

Por meses, a sombra do objeto esteve sobre mim, para dizer na belíssima e comovente expressão de Sigmund Freud quando da descrição das razões de uma pessoa tirar a própria vida.

Foram dias difíceis, fúnebres, em que o cinza era o único tom a colorir a vida.

Parecia preso a um tempo imóvel, sem mudança.

A vida se tornava uma diástole infernal, uma oscilação eterna sem jamais alcançar uma síntese, criando a sensação de tudo voltava sempre ao mesmo lugar.

Sentia como tivesse uma tonelada de chumbo sobre o corpo.

O andar seguia arrastado como se não houvesse esperança para nada.

O sorriso, forçado, se tornara uma máscara de um rosto infeliz.

Havia uma esforço sobre-humano para fazer a boca se juntar e se separar para pronunciar palavras.

Vivia sensações constantes de irrealidade.

A comida parecia insossa e destemperada.

Engoli-la era um trabalho hercúleo por conta da sensação de falta de ar.

Passava horas desejando o raiar do dia, pois não conseguia dormir por muito tempo à noite.

Quando alguém batia a porta, era como se cada estalo fosse um golpe desferido na cabeça.

Na maior parte do tempo, vivia prostrado, horrorizado com o porvir que não vinha.

Despersonalização, ansiedade e uma raiva impotente.

Não conseguia entender o motivo da felicidade dos que me rodeavam.

Estranheza, escuridão e um sentimento de derrota.

Era um peso levantar-se e ir ao trabalho.

Por várias vezes, a lágrima no canto do olho ameaçava me denunciar, mas a mantinha sufocada como costumava fazer com tudo que também vinha do peito.

Estava tudo preparado.

Os remédios já haviam sido comprados e a overdose, friamente calculada, para não ter retorno.

Tudo já estava sobre a mesa.

Na iminência do ato, algo claudicou e não o fiz.

Cai sobre o chão aos prantos.

Marcos de Jesus Oliveira
Enviado por Marcos de Jesus Oliveira em 09/06/2019
Código do texto: T6668785
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