Um arranjo eleitoral
Hoje ocorreu mais uma eleição.
Não uma eleição para presidente, deputado ou prefeito, mas uma singela eleição numa escola de um pequeno município, nesse país de todos e de ninguém.
Nem por isso menos feroz, na luta pelo poder que todos querem idolatrar e reconhecer como única via. Em um país onde as decisões passam muitas vezes por colegiados fabricados e obrigados a servir quem é mais forte. Onde os votos são contados em voz alta e sem piedade, doa a quem doer. Ou, contrariamente, são silenciosos mas já estão previamente destinados e acorrentados a um poder sequencial, objetivo, frio e malicioso de longa data que não pretende operar quaisquer mudanças. Em que os mecanismos de coação e violência são realizados à luz do dia, de uma forma explícita e pouco ortodoxa, empurrando para fora quem ousa peitar o sistema que serve interesses.
Tudo é orquestrado sem que a música toque acordes de felicidade e liberdade, mas sim em compassos monótonos, cadenciados e fúnebres. Um samba que tem medo de sambar. O país não ousa ter força para combater os seus erros primários e arrasta-se numa toada sórdida, comprometida e enfadonha que conduz à prostração e ao desânimo.
A luta pelo poder deixou de ser um ato humanitário e razoável, para se transformar em violação dos direitos mais elementares, ao trazer-nos o que existe de mais vil e sórdido no ser humano. As pessoas têm um medo profundo de quase tudo e também uma das outras, sem que consigam atribuir uma causa para isso. E muito menos querem expor-se às rajadas de uma metralhadora invisível que não pára de disparar em todas as direções. O território está em guerra, seja uma guerra sangrenta e declarada, seja um combate entre forças fantasmas que cavam sulcos profundos de terror e miséria.
Esta pequena eleição que ocorreu em termos rituais e padronizados, pode parecer apenas uma gota de água num imenso oceano de lamúrias e desajustamentos. Mas não deixa de reiterar e comprometer (numa escala menor mas vital), ao contribuir manifestamente para o apodrecimento do tecido social que cada vez nos deixa mais expostos e vulneráveis à nossa própria condição.
Não fosse assim, teria sido apenas mais uma eleição...