Êxtase
Êxtase
Fazia anos que não chegavam notícias boas dele. Agora, as notícias chegaram e, com elas, a alegria tomou conta de mim. Mas seria mesmo tudo verdade? Seria bom demais se fosse!
Soube onde ele estava e me apressei a ir vê-lo. Precisava reencontrá-lo. E, se as notícias fossem de fato verdadeiras, muita coisa mudaria de hoje em diante. Por isso, era fundamental conferir tudo pessoalmente. Era para se largar todos os afazeres e seguir incontinente para vê-lo.
Fui ao seu encontro cantarolando de alegria. Quando cheguei ao prédio, parei para respirar e me conter. Achava difícil que aquele momento tão esperado havia finalmente chegado.
Enquanto me continha, veio-me um filme à mente. Lembrei-me de como ele era hábil e engenhoso. Em usurpar os bens mais preciosos e, por isso, imateriais das pessoas. Bens como sonhos, fantasias, confiança depositada. Diziam que ele nascera para o mal; nascera torto e desenvolvera-se torto atingindo um grau inimaginável de torpeza. Aproveitava-se dos franzinos, dos ingênuos para lhes conquistar toda a confiança, explorá-los até à ruína afetiva. E não podia ser jamais processado nos tribunais, pois não havia provas materiais. A derrocada que impunha às pessoas era sempre afetiva. A material, decorrente, ficava por conta da fragilidade daqueles de quem ele se apossava e cujas vidas parasitava até extrair toda a seiva afetiva.
Sua perversidade era tamanha que conseguia fazer com que se lhe entregassem os bens mais recônditos e preciosos da alma – o filho dileto – que ele arremessava com força ao chão e lhe pisava a cabeça, até esmagá-la por completo. E tudo na sua frente, para mostrar sua potência.
Finalmente o encontrei e me aproximei dele. Foi um êxtase indescritível poder vê-lo novamente após tantos anos. E lá estava ele, agora mais belo que de costume, rodeado por fétidos crisântemos amarelos. Fétidos como seu ser; não havia combinação melhor.
Sua sinuosidade de caráter agora estava rija; seu sorriso voluptuoso só atraia moscas. O brilho dos seus olhos tornou-se o brilho do meu êxtase por vê-lo ali, completamente morto. Sua rigidez cadavérica era um bálsamo pictórico para todos os que ludibriara até então.
Parece que eu havia conseguido incorporar em mim todos os rancores, os dissabores, os ódios que ele havia infligido a tantos, ao longo de sua vida excessivamente longa. Agora eu estava lá, a contemplá-lo em sua melhor forma: inerte, emasculado, impotente.
Nenhuma música poderia ser ouvida naquele instante, para não ficar indelevelmente associada ao seu caráter perverso. A lei da ação e reação mais uma vez funcionara – tão aguardada que era – e nós poderíamos colher o que ele havia semeado. O pavor que ele ora despertara, agora já não mais existia. Em breve, seria deliciosamente devorado por vermes famintos. O surrupiador das belezas pessoais, o sedutor das fragilidades humanas, o torturador de afetos já não mais poderia introduzir sua broca virulenta na vida de tantos que a ele entregaram seus bens afetivos.
Jazia lá irremediavelmente morto. Gélido. Implacavelmente morto. Deliciosamente morto. Morto!