DESLIGADO

Acorda, liga a TV, vai ao banheiro e faz lá o que precisa, prepara o café da manhã, vai para a sala e senta-se em frente à TV para saborear a primeira refeição do dia. A programação é assistida em silêncio. Passa a manhã inteira exercitando-se com a troca de canais: quando termina uma atração, lá vai ele mudar de canal. Verifica a programação das outras emissoras e, se gosta de algo, senta-se novamente e assiste até o final. Vez ou outra precisa ir ao banheiro “mas logo agora que chegou a parte mais interessante?”, segura até a hora do intervalo. Vai ao banheiro, lembra que não bebeu água até àquela hora, mas não dá tempo “vai que começa o programa e perco alguma coisa”. Chega a hora do almoço. Aumenta o volume da TV e vai para a cozinha. Enquanto prepara o cardápio do dia, dá, de vez em quando, um pulinho até a sala para tentar ver alguma coisa do programa local. Almoço pronto. Serve-se e novamente vai para o sofá. Degusta toda a refeição e, cansado, deposita sobre a estante, ao lado da TV, o prato e o copo vazios. O restante do dia gira em torno das atrações da “janela do mundo”. Após algumas horas, “vencido pelo cansaço”, já não consegue mais ficar sentado, estica as pernas, apoia a cabeça sobre o braço do sofá e acomoda-se da melhor maneira que, aliás, não é tão cômoda assim, afinal, o pescoço dói, pois o braço do sofá não é lá tão macio. Cogita ir até o quarto buscar um travesseiro, “mas o quarto está tão longe e chegou a parte mais emocionante da história”. Resite à dor até iniciarem os anúncios. Pronto! Agora sim, vai ao quarto, pega o travesseiro e acomoda-se mais confortavelmente no sofá. Perfeito! Fica assim até o anoitecer. Pega no sono, desperta um segundo, luta para se manter acordado para conseguir assistir ao filme. Não consegue. De repente, ouve um barulho vindo de fora, acorda assustado. Era só o vento batendo no portão. Na tela da TV passam os créditos do filme indicando que este chegara ao fim. “Puxa vida! Perdi o filme”, diz ele decepcionado. Olha as horas no relógio. “Nossa, já é meia noite?”. Cansado, cai no sofá novamente. Adormece. Vez ou outra tenta abrir os olhos pensando: “preciso ir para a cama”. Não consegue levantar, tamanho é o sono e o cansaço. Após um tempo, finalmente levanta-se e vai para a cama meio cambaleante, pois não despertou totalmente. Atrás dele, a TV fica ligada e ele ainda escuta algumas vozes. Cai na cama e adormece até o nascer do sol.

Ele ligou a TV. A TV desligou ele.

Neuza Moreira dos Santos, em 31 de novembro de 2011.