Pobres Velhos (com o devido respeito mestre Lupicínio), tristes tempos
Tempo Estranho
Ainda bem que ela é ‘limpinha’ . . . Tétrico, trágico e horrível minha querida M., porém, o horror não pára por ai. Além de ‘limpinha’ ou de ‘limpinho’ é preciso que se idiotize e, por conseqüência, torne-se um arremedo patético, mas grotesco, de um (a) jovem.
É um tempo estranho este. A garota mira em Gisele e quer ser ‘modelo’. Aprende que o vocábulo ‘atitude’ mudou do significado original (comportamento) para designar o ato de andar com as pernas cruzadas e o rosto franzido (cara feia é sinal de fome?). Sim! É preciso ser anoréxica!
Tempo estranho é este em que tornamos velhas (gastas?) garotas-modelos de 14, 15 anos; imprestáveis ou inúteis os normais (?) de 40 anos e lépidas crianças os maiores de 65 anos.
Tempo estranho este em que o consumismo capitalista apossou-se do próprio Che (quem diria, hein Marcelo?) e após esse, digamos, pragmatismo mercadológico (se hay um gobierno, soy contra; e eu, esperrrrto, lucro com a venda de boinas, camisetas e broches para os novos revoltados) o monstro gerado nas Wall Streets do mundo passou a mirar os outros segmentos oprimidos e, então (aleluia!), começou a caça à próxima vitima.
Tempo estranho este em que o ‘politicamente correto’ disfarça conceitos (para não ter pré-conceitos) e cria neologismos: anão tornou-se ‘verticalmente prejudicado’; velho (a) tornou-se cidadã (o) da 3ª (ops) da ‘melhor idade’. Mas, além de estranho é também um tempo cruel para esses felizes membros da ‘melhor idade’. O ‘dolce fair nient’ não consome e então nada mais justo (?) e natural (!) que acabar com essa vagabundagem improdutiva. Ora . . . onde já se viu! E foi assim, subliminarmente ou não, que aos velhos (as) foi negado o direito de não fazer nada. Decidiu-se que ele (a) tinha que ser ‘ativo, atuante, alegre e ‘uma gracinha – precisa ver’ para que fosse aceito pela sociedade. Afinal, o direito de não fazer nada não gera negócios nem vendas. Aliás, soube pela CPI (que também é cultura, ora pois) que não se deve mais falar ‘vendas’ e sim ‘prospecção de negócios (off course)’.
Sim senhor (a)! Seja ativo (a) e compre viagens, roupas para os bailes da 3ª (ops) ‘melhor idade’, malhas para a ginástica e tantos outros penduricalhos que lhe prometem mais do que um retorno à juventude. Prometem-lhe que seus filhos, suas filhas e, principalmente, seus genros e/ou noras e, paralelamente, seus netos e netas os aceitarão em seu convívio.
Sim senhor (a)! Seja ativo (a), se não já sabe: ‘pagarão’ trinta abdominais (saudades Cida). E se continuarem a ter artrite, saudade e vontade de ficar em silêncio irão, sim, para o Asilo (ops) ‘Casa de Repouso', pois todo mundo sabe que estou estressada, que não tenho tempo, e a (sic) nível de pessoa e enquanto (sic) alguma coisa só posso oferecer-lhe ‘ajuda profissional’ que reedificará a nossa relação afetiva. Ou seja, outros assalariados ou profissionais liberais receberão o meu dinheiro e em contrapartida hão de oferecer-me certo alivio na consciência.
Tempo estranho é este. A medicina nos prolonga a vida, mas e concomitantemente o desenrolar da natureza tornou-se insuportável. Porém, a natureza não se preocupa com a nossa angústia ante a decrepitude e segue o seu curso. Todavia, somos esperrrtos e a enganamos. Ou melhor, enganamo-nos e tome eufemismo: não, não, não diga velho, fale idoso. Não, não, não e velhice, diga a 3ª (ops) ‘melhor idade’.
Não, não, não! Não meu caro (a) velho (a), os nossos cabelos brancos não podem estar à venda. Mesmo que vociferem as vozes dos publicitários. Nossos cabelos brancos não são ‘folhas em branco’ onde eles podem desenhar tristes caricaturas. Somos mais que consumidores. Somos mais que fantoches manipulados pelos fios desse mundo egocêntrico, visual e superficial. Somos mais que animais que bem treinados (cante, dance, pule, morra) ganham um biscoito e alguma consideração como recompensa. As dores no joelho, na coluna e na dignidade que se danem! Animais bem treinados que não incomodam o novíssimo (será?) padrão da modernidade.
Acredite sim meu velho (a) que os nossos cabelos brancos são marcas de que tivemos um passado onde (acreditem ou não os publicitários, geriatras, psicólogos, filhos (as), noras, genros, netos e netas) existiu uma juventude que nos saciou os desejos de dançar, cantar e pular. Existiu uma juventude original, real e verdadeira. E por ser assim, foi tão linda que vivemos com ela até hoje. E nesse nosso baú (arcaísmo?) temos os nossos tantos acertos e os poucos erros; nossas lembranças, nossa saudade (lembra quando o filho se jogou na piscina na certeza de que você (eu?) estaria lá? Ou do câncer impróprio que lhe deu medo de não conseguir cria-lo?). Quanta saudade doce . . .
Permita-se o passado. Não são apenas os museólogos ou professores de história que dele vivem. Somos todos nós, pois se o futuro é incerto apenas no pretérito é que temos uma aquisição definitiva. Não queira ser ‘jovem de espírito’ porque a essência não se divide em faixas etárias e sempre será maior, muito mais, que qualquer aparência.
Acredite meu velho (a) que além dos cabelos brancos temos muito mais na cabeça. Temos a dignidade de sermos de um tempo em que havia ideologias e, principalmente, idéias. A dignidade de sermos donos e titulares do nosso comportamento. Tempo em que publicidade chamava-se simplesmente ‘reclame’ e por ser simples assim contentava-se em anunciar um produto e nem de longe tinha a petulância atual de ditar o nosso modo de ser. Somos de um tempo em que os ciclos da natureza eram aceitos. Bons tempos aqueles, em que criança brincava, jovem dançava e namorava e os (as) velhos (as) tornavam a sentir esses mesmos prazeres quando bem quisessem, sem a imposição das ‘trinta abdominais’ e sem a ameaça da ‘Casa de Repouso’. Talvez sentissem esses prazeres nos corpos daqueles a quem amavam.
Somos parceiros da metade do século passado e muito mais que simples massa de consumo. Somos pessoas e isso deve (ou deveria) bastar para sermos aceitos sem que os padrões de modas, tão passageiras, obriguem-nos ao triste espetáculo de figuras deslocadas no espaço e no tempo.
Somos pessoas com cabelos brancos. Ou transparentes? Talvez a segunda hipótese, pois conquistamos o direito à verdade. O direito ao desejo de felicidade para os outros. Conquistamos o déjà vu e a certeza do ‘eterno retorno’ (mais de Nietzsche e menos de Schopenhauer) e tanto conquistamos que podemos ter o direito de dizer: NÃO!
É um tempo estranho meu caro Strauss e deixe-me corrigi-lo: não são tristes os Trópicos. Triste é esse tempo tão estranho . . .
Fabio Renato Villela – 13 de outubro de 2005.