Voz sem vez de Vovozim
Já não é mais uma casquinha, senão, uma pele de ovo, a figura do quase diáfana do nonagenário Zé do Vô, o Vovozim, ali, de pé, à porta de seu modestíssimo merce-bar, integrado à casa em que reside.
Viúvo, de décadas, mas nunca de afeto da prima compagnia Adi, que partiu, moça, no vigor de seus melhores anos, Vovozim deu por encerrada
a vida romântica e, aposentado do ofício de barbeiro, montou o comércio para não cair na depressão fatal, e continuar provendo suporte ao estouvado pimpolho, outrora moço talentoso e afável, ora regresso à semi-adolescência.
Hoje à minha abordagem, en passant, malgrado a deferência quase afetuosa de sempre, tergiversou ao tentar se lembrar de quantas vezes foi vítima de assaltos. Da última contagem, a mim revelada há coisa de dois meses, somavam 23; hoje, no entanto, perdeu o fio da meada dessa aviltante estatística.
Lembrou-se apenas de detalhes da mais recente e desapiadada abordagem: à sombra matinal da multi-centenária igrejinha do Bom Jesus, sita ao dobrar esquina do Beco dos Canudos com a Rua da Paciência, a meros duzentos metros de sua casa, foi uma mulher que violentamente rasgou-lhe a roupa à caça de uns trocados...
Inconformado com a brutalidade do ato, Vovozim ainda questiona:
- Se fosse pra pegar uns quarenta contos, aí até entendo que a coisa podia ser justificar, pelo menos de um lado, apesar do sufoco generalizado...
O bom Caetano, ex-militar, e freguês sem caderno, foi que, cientificado do ocorrido, restituiu um pouco de dignidade ao fornecedor Zé do Vô, ao ir atrás da meliante e forçá-la à recomposição do fato desconstrutivo.
Amigo, novo ou antigo, é que equivale ao abrigo...