Solidão feminina

Acordei com desejo grande de seguir os instintos. Num relampejo, o descortinar das possibilidades. Pode ser! Há de ser! Pensamentos em efervescência. Junções de coisas tantas gritando a necessidade de serem olhadas. Vontade colossal de me entregar a mim mesma, emergir desse pântano que não é meu. Vislumbrar o que foi esquecido. Faz tanto tempo não me pertenço! Levanto, e o chamado das crianças espanta as ideias latentes. Mais tarde! Cumpro com bravura e às pressas todas as incumbências, ante a corrida contra o tempo de um ponteiro que não olha por onde passa. Sou máquina programada para o atropelo matinal. Quando saírem, todos, olharei minhas urgências. Sozinha, enfim! Ainda não posso me dar ao luxo. As roupas, a casa em desordem não esperam. Ideia besta esse tom cantarolando no inconsciente! Eu que nem tenho violão! Nunca tive! Só essa vontade vinda vez em quando, não se sabe donde. Termino as funções. São 11:00. Encontrarão tudo limpinho quando chegarem. Essas mãos que tudo dão conta! Daqui a pouco chegarão famintos. Minhas ideias mirabolantes podem esperar. Real mesmo é a fome dos filhos. Os horários de João. Corto cebolas, tempero, mexo, aqueço o corpo no entorno do fogão. Tudo feito máquina eficiente. Tenho presença em lugar nenhum, perdida no amontoado coisas. Agarro a haste de prazer que me resta. A família em volta da mesa. Orgulho! Depois, o tempo de brincar das crianças, o tempo de TV de João, do jornal, da fala com ao telefone. Minha solidão rotineira. A melodia volta à minha cabeça enquanto organizo a cozinha. O produto de eliminar gordura levando a camada sobre o fogão. Quisera um produto de limpar a dor de não ser! A gente é um nada sem a casa cheia de filhos e um marido pra cuidar! Tarefas da escola, conselhos, uniforme, o bolo de chuva pro lanche. Qual era mesmo a ideia da manhã? Depois me lembro. Os dias são tão pequenos! João chega daqui a pouco. Banho das crianças, janta… Quando ele chega, gosta de mesa farta. Aquele ritual sagrado desde o enlace. Chinelinho limpo na mão, a toalha, o pijama, entregues à porta do banheiro. Quem ama cuida! O caldo de feijão com coentro fumegando. João adora! Não esconde a decepção se não tem. Lençol esticado, fronha trocada, cuidado diário. Já chega tão cansado! Tudo por merecimento. São 21. Agora sim a casa em silêncio. Resolvo comigo aquela pendenga? Aquele oco misterioso… Vai ver é falta de trabalho fora de casa. Outro dia, joão disse que as mulheres dos amigos têm ocupação, por isso não criam estórias malucas na cabeça. João me acha mais ocupação em casa. É cuidado! Esse negócio de trabalhar fora, coisa pra mulher que não tem um homem que dá conta.E a ideia? Aquela bonita da manhã! Aquela sobre me ser. O projeto. Amanhã! Com certeza amanh…

_ Ainda não Morfeu! Preciso concluir aqui esses devaneios!

_ Agora sim! Precisas! Teu corpo em frangalhos pede repouso para comportar os sonhos.