O vendedor de ovos

Naquela cidadezinha a beira da cerra vivia o moço, ar esperto, de muita comunicação, e bom vocabulário, rapaz de boa leitura, sonhador e inteligente, logo aos 23 anos já dera conta de montar seu próprio negócio. Adquiriu uma caminhonete, e toda a manhã enchia-a de avos e viajava quilômetros levando os ovos mais belos a quem quisesse compra-los. Assim, Miguel, conhecido como mestre pelo bom léxico que possuía, fez o trajeto por dias, meses e anos. Adquiriu família, teve filhos, atingiu a meia idade, e neste caminho sorriu, chorou, teve medo, deve sono, teve sonhos, dos quais muitos concluídos, e outros tantos esquecidos, sim, esquecidos por falta de força própria, ou por influência daqueles que não conseguiam ver no mestre a motivação necessária e fazê-lo prosseguir.

Mas o que o mestre não percebia é que o instrumento de seu trabalho envelhecia junto a ele, sua caminhonete já não era mais a mesma, precisa de revisão constante, ela já não tinha forças para chegar nos vilarejos de difícil acesso, o gasto estava ficando alto, e o mestre percebeu que o serviço estava defasado, e não conseguia produzir o mesmo efeito com o mesmo instrumento. Era preciso mudar! Porém, como fazer mudanças se passara a vida todo naquele trajeto? Daquele jeito extremamente desenhado! Então foi o tempo de reflexão, de retomada, de respirar e perceber onde estava o entrave. Naquela manhã especial de 15 de outubro ele colocou os ovos na caminhonete, um a um, com todo o cuidado, e disse a esposa que faria a viagem como se fosse a primeira, motivado, ligou a maquina e partiu. Quando chegou no primeiro vilarejo parou a Toyota, apiou-se dela, foi ate a caçamba, e percebeu que os ovos estavam quase todos quebrados. Ficou assustado! Pois usou da mesma organização de sempre; Naquele momento o mestre chorou, não por ter perdidos os ovos, mas por ter perdido a visão que jamais poderia permitir, a visão de que as estradas estavam mais esburacadas, e que o cuidado com aqueles pequeninos, os ovos, deveriam ser diferenciados, faltou manutenção da pista ao longo dos anos, assim era necessário adaptar a forma de carrega-los, pois se fazer de cego diante do fato era tão criminoso quanto não manter a pista de acesso.

Assim, o mestre voltou para casa carregou a caminhonete novamente e desta vez fez o trajeto com mais cuidado, chegando no primeiro vilarejo, foi verificar o objeto de seu trabalho, e de repente a surpresa, não estavam 100% quebrados, mas estavam em grande parte trincados, entristeceu-se, mas não se deu por derrotado, foi investigar o fato, e deu conta de que sua caminhonete, instrumento de seu trabalho era a mesma desde que ele, o mestre iniciara sua trajetória nesta jornada. Os amortecedores, os pneus, os freios, a lataria, não suportava mais aquele trabalho, era necessário renovar. A carga agora era frágil, durante as muitas estações os ovos ficaram mais sensíveis, a embalagem que os protegiam desde seus berços não garantiam mais a proteção desejada. Assim era necessário saber que além da pista mantida pelo sistema, era necessário adequar em como os transportar, não bastando conhecer a estrada, os ovos, a logística, era preciso realmente modificar o sistema de entrega, pois este não estava mais repercutindo efeitos.

Dias depois houve mudanças radicais, recapeamento das estradas, a caminhonete fora trocada, mas o mestre ainda estava descontente com o fruto de seu trabalho. Foi quando ele resolveu ir à granja e ver como esses ovos eram preparados para a entrega. Decepção total, os responsáveis não tomavam cuidado nenhum com o produto, jogavam nas caixas, deixavam misturar com ovos podres, não tinham cuidado com seleção por tamanho, qualidade, não importando se fosse especial, não visualizavam se eram superiores ou inferiores em sua formação, lançavam tudo dentro da caixa e as lacravam. Muitos deles já saiam trincados. Nesse momento o mestre questionou a responsabilidade de tantos ovos quebrados.

O cuidado na origem. Perfeito! Indagou o mestre. Os cuidadores mudaram o foco, o grau de responsabilidade, a necessidade de tratar a carga com bom e fino trato, o zelo; tudo isso comprometia a carga, e ele, o mestre era o mais punido nessa tarefa. Foi quando percebeu que um conjunto de ações precisavam mudar, que as estradas degradadas, o mecanismo de transporte retrógrado, e o cuidado na embalagem dos ovos estavam intrinsecamente ligados ao sucesso de sua carreira. Ele sozinho não conseguiria ir muito longe. Agora, ancião, em sua pouca força entregava a chave de sua caminhonete, certo de que cumprira sua obrigação. Mas certo também, de que seu substituto precisaria ser dotado da prudência, mais atento ao percurso, às mudanças e adequações se quisesse que sua encomenda fosse entregue com qualidade, pois as mudanças eram rápidas demais e a nova geração dependeria da mesma agilidade.

Paulo Sergio Barbosa
Enviado por Paulo Sergio Barbosa em 03/06/2019
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