(Des)Ilusão

Depois de mais um longo dia de aperto de mãos, sorrisos forçados e negociações sucessivas – lícitas e ilícitas – o prefeito aconchega-se em sua poltrona, saca seu smartphone de última geração e começa a navegar em suas redes sociais. Facebook, Twitter, Instagram, LinkedIn – e até mesmo as mais modernas, como Reddit e Vero – são prontamente acionadas, e logo o prefeito começa a visualizar suas stories e news feed. Informações jorram da tela de seu aparelho, espelhando um mundo de beleza e sofisticação, no qual todos os seus contatos parecem viver oniricamente, em pleno deleite e regozijo existencial. Com o prefeito não poderia ser diferente.

Todas as suas conquistas foram devidamente registradas em sua extensa lista de ostentação digital. A começar pelas luxuosas e idílicas férias ao redor do mundo, tendo visitado – e fotografado – uma plêiade monumental de cartões-postais: do Monte Fuji à Cordilheira dos Andes, passando por clássicos como a Estátua da Liberdade, o Big Ben – e, claro, a Torre Eiffel. Cada uma destas imagens, capturadas por máquinas potentes, capazes de tonificar os aspectos paisagísticos, recebeu avalanches de curtidas, comentários e visualizações, sendo compartilhada indefinidamente. Para o prefeito, eis a demonstração de sua popularidade e seu alcance enquanto influenciador digital, tendo seus registros atingido parcelas que vão muito além do seu eleitorado. Diante disso, todos parecem amá-lo.

O que, porém, nenhuma rede social mostra é a fonte do dinheiro acumulado pelo prefeito para realizar cada uma destas aventuras irretocáveis. Desvio de verbas, inclusive da saúde e educação, tão precárias no município que administra, bem como proventos imorais, com gratificações sucessivas, mas legais, na medida em que devidamente regulamentados na lei orgânica da respectiva circunscrição – seguindo, aliás, o rito para sua majoração, cumpre ressaltar. Neste teatro vampiresco, o prefeito é o drácula, alimentando sua cobiça sanguinária a partir das veias e artérias da população.

Outra façanha que fez questão de postar foi a celebração de seu matrimônio com a atual primeira-dama. Cerimônia impecável, com todos alinhados, parentes e amigos emocionados, numa igreja majestosa. O principal bispo da região veio santificar a união dos dois pombinhos, validando perante o divino as juras de amor eterno. A cidade parou para acompanhar este megaevento, transmitido simultaneamente por meio de uma live. Contudo, a despeito dos recordes batidos, com quantidades estratosféricas de atenção e reconhecimento virtual, foram ocultadas as inúmeras traições perpetradas pela autoridade local, a qual, não contente com sua violação do dever matrimonial de fidelidade, fez questão de agredir sua mulher, incorrendo em violência doméstica diversas vezes. Por óbvio, tudo foi abafado – incluindo o cachê episcopal - e o público continua achando toda esta encenação real.

Quem resolve dar uma espiadinha nos perfis do prefeito fica embasbacado com tanta glória e perfeição. Dá a impressão de estar-se diante dum ser excepcional, dotado dum ímã que só atrai louros e vitórias. Extenso e qualificado currículo, com direito a cursos em renomadas instituições de ensino, família prodigiosa, que parece sempre unida e misericordiosa, detentora de belos semblantes e corpos esculturais, os quais parecem vindos diretamente dos comerciais de academias; isso sem contar a suntuosa moradia do prefeito, que de tão orgulhoso de sua propriedade, divulga aos quatro cantos da rede mundial de computadores suas selfies na banheira, piscina, ofurô, e demais ambientes da mansão que chama de casa. Esplêndido é a palavra certa para descrever o arrebatamento causado ao ter contato com o mundo mágico do prefeito.

Dado este cenário, acredito que ninguém imaginaria que ele, ao ver os perfis de seus companheiros, fica ressentido e chateado. Lágrimas escorrem do seu rosto ao perceber que não é o usuário com mais seguidores, sequer estando na lista dos dez mais populares de qualquer dos meios utilizados. A frustração é ainda maior ao jogar seu nome no Google e constatar que o número de páginas mostrado é inferior ao de seu adversário nas últimas eleições. Além disso, não consegue entender por qual motivo tem apenas dez solicitações de amizade por dia, quando a filha do vice, que nem é conhecida, tem vinte.

Produto e produtor das aparências cibernéticas, o prefeito se vê preso neste ciclo vicioso, postando mensagens cada vez mais chamativas, vídeos cada vez mais apelativos e fotos cada vez mais coloridas, sendo, por fim, engolido pela insatisfação crônica de jamais estar contente com quem se é, dado o bombardeamento de pessoas numa situação melhor que a dele. Nesta era narcísica em que vivemos, dominada por personalidades marqueteiras, o prefeito descobriu da pior maneira possível a mentira da vida perfeita: buscando aparentar tê-la.