Braguilha livre!

Há quinze anos, por acaso, numa viagem em que esqueci de colocá-las na bagagem, descobri numa loja as cuecas ideais. A loja ficava bem no meu caminho do trabalho, foi uma parada emergencial e providencial. No meu entender é até possível usar, após o banho do fim do dia, alguma peça do vestuário que já vínhamos vestindo, mas não a cueca. Trocá-la é imperativo.

Mas aquela foi uma feliz emergência, uma descoberta. Foi assim que encontrei aquela marca de cuecas para mim até então desconhecida, pois não é daquelas que se veem em cartazes, anúncios impressos e televisivos. Uma cueca recatada, com talhe bem tradicional, malha flexível e complacente, corte e cores discretas, confortável e, principalmente, com a abertura, a braguilha dessa peça íntima, que nos faculta nos aliviarmos nos sanitários públicos com dignidade, sem que seja necessário baixar calças e cueca.

Ao longo dos últimos quinze anos essas cuecas têm sido daquelas estimadas companheiras que sentimos satisfação em tê-las encontrado. Aprendi que só são oferecidas numa única rede nacional de populares grandes lojas de departamentos, portanto trata-se de uma produção direcionada, uma exclusividade. Mas, passados todos esses anos, as estimadas cuecas desapareceram. Só encontro nas lojas, mesmo naquela popular rede, cuecas de grife, que ao meu ver parecem mais querer agradar aos olhos e à uma estética alienígena incutida pela propaganda que ao conforto e às necessidades de minhas partes mais íntimas. E, surpresa! Nenhum dos “novos” modelos tem abertura frontal. Tive que perguntar ao meu filho como fazem nos mictórios, ele me explicou o óbvio:

- Ora, tem que baixar a calça e a cueca!

Que humilhação. Parece outro retrocesso que nos é imposto nesta época de tantos retrocessos. Regredimos até no prosaico ato de realizar nossas necessidades mais básicas. O que me parece mais uma vez um ditame do implacável deus mercado, que precisa sempre inovar, em nome da obsolescência perceptiva e do desenfreado consumo, ainda que as novidades façam regredir a décadas atrás.

Ainda bem que ainda tenho um bom estoque das condenadas e leais velhas cuecas confiáveis e dedicadas. Acho que vai dar tempo dos demais consumidores que têm as mesmas convicções e hábitos que eu darem-se conta do desacerto desta novidade. Elas, nossas velhas, fiéis e boas cuecas, vão voltar ainda mais valorizadas, reconhecidas, até aclamadas.

Não, a braguilha não caducou. Só foi temporariamente condenada pela sanha do consumismo, da cegueira e da injustiça insanas.

Ou fui eu que caduquei?