Velório no sertão
As pessoas tentavam se acomodar na pequena sala daquela casa de pau-a-pique, construção comum no sertão, feita com bambus amarrados entre si por cipós, e preenchido com barro, dando origem às paredes.
O sol castigava aquele lugar, as ruas de terra batida chegavam a brilhar de longe, parecendo miragens ao meio de um deserto. Não se via árvores por ali, apenas aquele cenário apagado, que abrigava muitas pessoas sofridas e sem esperança alguma.
O defunto jazia no meio da sala, em um caixão de madeira barata apoiado sobre dois bancos. Era o ancião da família, e esta só foi crescendo conforme os anos se passaram, mesmo alguns deles, até os mais jovens, terem partido por causa de alguma doença, o que era comum naquela região seca e esquecida.
Podia -se notar a pele calejada do morto, bronzeada por muitos anos de trabalho duro. Ali estavam presentes familiares e amigos, fora alguns curiosos. O calor era intenso, obrigando a vários deles se abanarem com as mãos ou qualquer objeto que possuíssem.
O velório já passava de horas, e um cheiro forte começou a inundar o lugar. Ele provinha do defunto, do líquido que começou a escorrer pelos seus orifícios, que não haviam sido tampados. Não havia o preparo adequado de corpos naquela região, era tudo feito de forma simples e sem muitos recursos. Por isso que em muitos casos, os velórios não duravam mais que duas horas. Mas nesse caso, a família esperava pela vinda daqueles que moravam distante.
O cheiro de podridão foi aumentando, e uma pequena faixa do líquido começou a escorrer por uma fresta do caixão, chegando ao chão. Mas isso parecia não incomodar os presentes ali, que apenas olhavam fixo para um canto, conformados com a situação. Aquele odor era comum a eles, que estavam acostumados a frequentar lixões nas cidades próximas, a procura de comida ou algo de valor. Também sempre havia animais mortos pela região, devido a seca que ali fazia, dificultando a disponibilidade de alimento ou água.
Não havia vento algum, apenas uma brisa quente que assolava quem se encontrava na rua ou dentro da casa. Um carro todo adornado parou próximo do local, atraindo olhares daqueles que estavam ali fora. Uma senhora saiu de dentro, vestida com roupas que pareciam caras. Usava um chapéu com uma pena em cima, além de saia, blusa e sapatos de couro com salto. Suas vestimentas eram pretas, mostrando sinal de luto.
Ao entrar no recinto, sentiu aquele odor forte, que embrulhou seu estômago. Fazendo uma careta, ela olhou para o defunto, percebeu o que ocorria, deu apenas um sorriso sem graça para os presentes e saiu rapidamente para o ar livre, vomitando ao chegar próxima do carro. Os outros nem notaram ou não fizeram questão para isso, apenas continuaram em silêncio. Os únicos murmúrios que podiam ser ouvidos, era do lado de fora. Dois homens discutiam sobre a possibilidade de chuva nos próximos meses, mas não tinham certeza.
Moscas começaram a pousar sobre o corpo, buscando aquele líquido. Uma delas saiu dali e foi direto para uma das pessoas, pousando sobre os lábios dela. Esta nem se incomodou e a mosca saiu por vontade própria, voltando para onde estava.
O tempo ali passava, e nada mudava. No dia seguinte não haveria mais o caixão, tudo ocorreria normalmente, da mesma forma monótona de sempre. Um lugar perdido com um povo esquecido, a mercê da boa vontade divina, ou das sobras dos mais abastados.