PARCERIAS E LEGADOS

Sempre devemos agradecer ao Absoluto por termos sido testemunhas de parcerias já desfeitas pela finitude – a curta passagem e a travessia involuntária de um dos amados para a outra margem. Nós outros, que ainda estamos na estrada, vamos cumprindo trajetórias e estações de pousada. Ficamos a curtir o que o viver nos tem deixado de legado e a inutilidade da certeza de que somos resistentes ao tempo de surpresas e vicissitudes. Apesar de que somos diferentes a cada quadra, e ainda noviços a cada tempo, segundo plasmou Neruda: "La misma noche que hace blanquear los mismos árboles. Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.”. E o verso serve como uma luva não somente para os enamorados, todavia para muito além, para toda a fauna. Açambarca os polos do amar sem libido e afivela fortemente a tão desejada e sempre benéfica Dona Amizade. Não há preço que a pague e nem tempo ruim que a extinga. A gente só se dá conta quando o mundo desaba sobre nossas cabeças e o coração é um balde despejado sobre a areia escaldante.

– Do livro A VERTENTE INSENSATA, 2017/19.

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