À tarde, pálidos raios do ocaso tocam o crepúsculo das lembranças no coração de Corina. Belos tempos em que a juventude lhe sorria, quando em noites de lua clara, a peonada se reunia no alpendre. Feliz, a mulher do fazendeiro morria de paixão, ouvindo “Saudade de Mirabela”, que o marido, inventado de cantor, tocava na viola que Zé Coco fazia, com as próprias mãos, e um toco de canivete. Naquele dia, Generoso Batista disse aos cafuçus: ‘Hoje não toco.’ Foi quando Tunico Oliveira se manifestou recitando Ferreira, em pé de verso, guardado na memória desde a mocidade.
Dim, dão... Dim, dão...
João Grilo foi um cristão que nasceu antes do dia,
criou-se sem formosura, mas tinha sabedoria
e morreu antes da hora pelas artes que fazia...
— Atalho o frango nêgo mole!
— Não me interrompa, patrão. Ainda quero trastejar uma cantiga que assuntava pai imitando Leandro Gomes do Pombal.
Quando cachorro falava, gato falava também
Gato tinha uma bodega como hoje o homem tem
Onde vendia cachaça encostado ao armazém.
A meninada ria. Corina aplaudia, mas, naquela noite, Nhá Santa não serviu café nem chá. No dia seguinte, mal se põe o sol, já o céu aparece salpicado de estrelas e se assemelha a uma veste de princesa tecida por mãos de fada. A bicharada, de hábitos noturnos, passeia.
As horas avançam velozes cavalgando a lua de São Jorge. O rato foge da coruja que pia, e arrepia de medo o cabelo da meninada. Suas pálpebras pesadas pedem descanso. Tunico Oliveira se despede e sai. Demais camaradas também se vão. Os meninos que brincavam de cabra cega na calçada, agora dormem a sono solto, até que nova aurora se levante no bico da passarada.
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Adalberto lima, trecho de "Estrela que o vento soprou"