Quem nunca sonhou com uma grana fácil, nunca viveu. Imaginar quais seriam as aventuras financiadas pela bolada da loteria é uma fantasia alucinante. Cabe na minha conta sem nenhum esforço, aliás, banco é o único lugar que traduz o conceito do infinito: contas que contam milhões, bilhões, trilhões,..., sem ocupar nenhum espaço físico proporcional aos zeros. A lógica vem só abrir passagem pro passeio à lotérica.

Peguei um papel de cada cor. Nunca tinha jogado. Mas tinha sonhado com alguma coisa fora do padrão, um animal talvez, mas como jogo de bicho é contravenção penal, já editei o sonho com Photoshop. Pronto! Mas na lotérica não tem cadeira, como vou fazer para ler em pé todas as informações sobre cada um dos jogos? Bem, vamos pra fila. Por aqui a lei que garante atendimento prioritário para gestantes, idosos e deficientes foi interpretada de modo diverso, tem caixa prioritário e pronto. Então as filas são KI LO ( métricas), só pra dar ênfase ao peso daquela tarde. Puxa a cadeira, Mônica! Não há cadeira (coluna) que aguente. Respira fundo e vai. Era minha vontade me empurrando pra fila dizendo frases de superação, não absorvidas pela minha mente. Mas fila, lá vou eu!

Cheguei e tinha umas 4 pessoas em posição quase fila, tipo estou aqui, mas não estou, e perguntei: estão na fila? 
- Não, só escondendo do sol.

Peguei a fila, literalmente como se fosse um peso, na minha frente um casal de idosos: ele um tipo italiano, olhos azuis e uma pele translúcida; ela por sua vez, uma loura elegante de olhos verdes e falante. O marido a olhava como se fosse atirar com olhos e ela lá batendo um papo com a mãe de uma criança. Ela enxergou lêndeas na menina e sugeriu que cortasse o cabelo. Até ensinou remédios caseiros pra piolho, mas afirmou quero ideal é cortar. Fiquei ali pensando: quem te perguntou? Já podia logo abrir seu salão sem noção.

Do lado, fumando um cigarro estava um padre, sem batina, mas a gola da camisa avisava, falava ao telefone que moela cozida em chaleira fica saborosíssima. Emendou dizendo que morar sozinho tinha feito dele um exímio cozinheiro. Entendi, seu padre, que cozinheiro!

Na porta, bem onde as apostas eram marcadas um casal escolhendo os números: coloca o meu nascimento, o seu, dos nossos filhos, o número da sorte é o do azar. Deu seis? Já logo pensei! Truco!

A fila rápida nem me deixou ver a vida passar. Quando cheguei na cabine:

- Tudo bem?
- Sim, em que posso te ajudar?
- Quero jogar todos esses jogos. É entreguei.
- Mas moça, você não marcou nada?
- Pois é. Mas como faz?
- Atrás dos papéis tem as explicações ou teimosinha?
- Teimosinha eu? Não entendi.
- Teimosinha é um jogo, pode ser?
- De São João?
- Não, daqui mesmo de Lafaiete.
- Se você quer a Loteria de São João?
- Ah sim, quero.
- Dia de sorte?
- Espero que seja. Respondi sorrindo.
- Vai jogar também no Dia de Sorte?
- Vou sim, Jesus! Que vergonha, pagando o King-King.
- Timemania?
- Se for pra escolher um time coloca o Galo! 13! Sorte!
- Mais alguma coisa? Quina? Raspadinha? Bolão?
 - Não obrigada, falei sério. 

De posse dos jogos, fiquei pensando nos últimos citados, o que eram como eram. Peguei novos bilhetes para ler e da próxima vez não passar vergonha. Li na porta mesmo. Juntei tudo, rasguei os papéis e fui pra casa. chegando lá fui ver os resultados e para minha surpresa os bilhetes haviam sumido. Voltei no carro, procurei e nada! Até que um passarinho do rabo negro veio no meu ouvido e cantou a pedra: você rasgou e jogou no lixo ainda na lotérica. E o pior, o Galo foi campeão! Só no jogo da caixa mesmo, só. Fui dormir.

 
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 24/05/2019
Reeditado em 24/05/2019
Código do texto: T6655877
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