Democracia como?
Ao Professor Jorge Marum.
Em entrevista a um programa de televisão, o escritor José Saramago, indagado sobre a questão da democracia, disse estarmos como os prisioneiros do Mito da Caverna, de Platão: vemos apenas sombras. Segundo ele, não estaríamos vendo mais do que a sombra da democracia.
Aliás, onde está a democracia?
Tomemos o modelo de democracia clássica, que é a de Atenas. Em Atenas, como aqui, todos os cidadãos tinham o dever de votar. A diferença é que, enquanto lá eles se reuniam três vezes por mês, somente votando depois de um dia todo de cuidadosa discussão, aqui o fazemos uma vez a cada dois anos, e se há alguma discussão, é nos quinze minutos em que ficamos na fila da urna.
Não podemos esquecer que a democracia ateniense era direta, o que somente é viável em territórios de pequena extensão e baixa população, em que não se encaixa nenhum dos Estados que temos.
Mas não podemos esquecer, também, o sentido da palavra democracia, que indica não o governo, mas o poder do povo. É impossível, seja na democracia ateniense, seja na nossa, cada cidadão exercer funções de governo.
Existiria uma democracia hoje se cada cidadão dedicasse algum tempo, diário, semanal ou mensal, aos interesses públicos, e discutisse com seriedade questões políticas. Nosso cidadão não tem aquele tempo que tinha o ateniense para se entregar à política. Mas quanto tempo levamos para enviar um e-mail a um senador, ou para ler um artigo de jornal e refletir um pouco? Enquanto não fizermos isso, e de fato não tomarmos o poder, que é nosso, teremos que nos contentar com a sombra da democracia.