Crônicas de Pai para Filho - Do pai para o outro filho
Não poderia falar do meu pai, sem citar outro filho seu. Mais precisamente o meu irmão.
Ele carregava consigo além do peso corporal enorme, grande parcela de DNA do meu pai. Muito embora, minha mãe tivesse contribuído um pouco mais para sua personalidade do que fez no meu caso.
Acontece que a loucura inerente a minha família se manifestava de forma medicinal em meu irmão.
Claro, tentarei explicar de forma simples ao leitor mais desatento, ou até mesmo ao leitor que nunca conheceu a nossa família.
Meu irmão era dois anos mais novo do que eu, e veio ao mundo muito presumivelmente como uma compensação divina aos meus pais, pelo fato de eu existir.
Meu irmão foi aposentado do serviço público, por uma junta médica tripartite ( nas palavras do próprio primeiro-ministro ), muito embora eu não saiba explicar o que isso significa.
Mas a história toda foi muito complicada:
Após alguns anos de trabalho, meu irmão foi encaminhado pela sua chefia imediata a uma consulta com um psicólogo, o doutor Alex Kraëpelin. Motivo? Impossibilidade de socialização com outros funcionários ( e não funcionários também ).
Ao chegar ao seu consultório foi encaminhado por uma centenária senhora até a sala do doutor.
Ele estava sentado em uma mesa de carvalho, e de olhos fechados cantarolava Mahler. Meu irmão sentou-se a sua frente e lhe passou os papéis enviados por sua chefia.
O doutor leu atentamente, e perguntou:
- Que tem a dizer?
Meu irmão respondeu-lhe tranquilamente:
- Nada.
Após 35 minutos de silêncio, onde médico e paciente se olharam de forma curiosa, o médico preencheu o encaminhamento para uma junta médica.
A decisão de aposentar-lhe, saiu de uma acalorada discussão entre os maiores nomes da psicologia de nosso país, após analisarem os resultados de seus exames psicológicos e psiquiátricos.
Emil Frankel, renomado neuro-psiquiatra, citou duas respostas de meu irmão a questões fáceis de psicologia aplicada.
A educada médica que lhe examinou, perguntou:
- Eloah deixou seus óculos na mesa, onde estão os óculos de Esther?
Ao que meu irmão respondeu de pronto:
- E como eu saberia onde estão os óculos dessa tal Esther?
A médica, fazendo uma série de anotações, lhe explicou que os óculos de Esther estavam com ela, pois ela estava ajudando Eloah a procurar os seus.
A segunda pergunta tampouco obteve melhores resultados:
- Benjamim estava com fome. Benjamim comeu um biscoito. Como Benjamim se sentiu?
- Absolutamente, não faço a menor ideia.
- Ora, Benjamim com toda certeza se sentiu feliz.
- E como eu saberia? E se o biscoito estivesse estragado ou simplesmente não fosse gostoso?
A doutora ficou assombrada e continuou suas anotações.
Anotações estas que fez com que o renomado doutor Frankel defendesse o total afastamento de meu irmão de todas as funções do serviço público.
Outro doutor, Hélio Galeano, ainda concluiu que o estado deveria lhe indenizar com um acréscimo em seu salário, como um auxílio, pois entendeu que as agruras do serviço lhe causaram os desvios pseudo-psicológicos.
Um alemão, porém, foi da opinião de abrir o cérebro de meu irmão e lhe realizar mais exames. Mas como sua clínica, a Obergruppenführer Medical, estava sobre investigação governamental, achou-se por bem, não acatar essa ideia.
Após outros exames que variavam de perguntas dúbias e interpretação de figuras borradas que para meu irmão pareciam animais esquartejados e aos médicos pareciam jarros de flores, o laudo final foi definitivo:
Aposentadoria total, com uma indenização de milhares de reais, e mais uma residência cedida pelo governo em um bairro de ex-combatentes da segunda guerra.
Aos olhos da medicina, meu irmão é considerado mais louco do que eu. Mas para fazer justiça a minha fama, devo dizer aqui, que é unanime a opinião dos que me conhecem de que se eu consultasse com o mesmo doutor, seria aposentado prontamente.
Mesmo assim, todos os dias eu continuo me apresentando pontualmente ao meu trabalho na minha repartição, onde desempenho funções como ler os jornais diários e tomar seguidas canecas de café.
Muito embora ache o salário injusto, não posso privar o povo de tão importante contribuição ao serviço público do país.