Meu prezado

Nos pequenos escritos em que me dirijo a meus alunos, tenho introduzido o texto com um ‘meu prezado’. Li, em algum lugar – certamente em manual de correspondência –, que o ‘prezado’ anda gasto e já não diz o que é; mesmo assim, insisto e – avisado que fui – costumo somar-lhe uma exclamação emotiva: ‘meu prezado!'. E sigo elogiando ou apresentando os naturais senões, que é nossa obrigação registrar.

Mas o eventual leitor estará se perguntando: aonde o prezado quer chegar? Continuemos. Quem dirige pela Avenida Brasil no sentido norte-centro, em Juiz de Fora, haverá de encontrar os nossos pedintes de sinal. Sobre eles já andei escrevendo... Pedintes que necessitam e estão em situação vulnerável; pedintes que se drogam com o recebido; pedintes que talvez não precisassem pedir... Um problema, eu bem o sei! Há quem condene terminantemente qualquer resposta em dinheiro a esses desassistidos. Há quem relativize... Há quem diga que é um perigo qualquer atenção, ainda mais que vivemos tempos tão violentos. Verdade, verdade...

Falava da Avenida Brasil, onde eu dirigia numa noite de sexta-feira. Eu já divisara o vulto negro, a distância. Vulto negro de homem negro, de muleta servindo de perna decepada. Abri-lhe o vidro, facultei-lhe o ouvido – bem rápido – e já busquei no console a pecúnia que o ajudaria. Entreguei-lhe, vi o sorriso feliz de um homem de uns trinta anos, no máximo, e o luzir do brinco na orelha esquerda. Ouvi o depoimento feliz ao me agradecer por ter aberto o vidro... Isso já seria uma honra, percebi!

Passam alguns dias, e estou, novamente de carro, pela Benjamin Constant. O mesmo homem negro se postava em uma amena tarde de outono e, terminada uma abordagem, se dirigiu para mim. Ato contínuo, fui buscar-lhe minha cota, mas não encontrei nada.

- Meu prezado, hoje não tenho nada.

- Meu prezado?? Eu? Meu prezado? – ele disse com um sorriso que reunia felicidade e espanto. E, atento ao sinal, evadiu-se lentamente para o passeio.

Há uma crônica do cronista dos cronistas – o nosso Rubem Braga – , em que o capixaba fala de um padeiro que batia à sua porta e dizia que não era ninguém, pois era apenas o padeiro. Era uma lição de humildade para o cronista.

Registrei aqui o episódio do pedinte, como homenagem a esse simples e simpático irmão, que fica ali, como o padeiro do cronista, a se imaginar ninguém que mereça ser prezado.

E o faço também agradecido pelo ensinamento de gratidão pela palavra usada, que no seu coração tem uma grandeza plena, que ele julgava não merecer. Aprendi contigo, meu prezado! Meus alunos, meus amigos, as pessoas continuarão sendo meus prezados.