O Pombo

Eu era uma pessoa solitária. Não tinha amigos e era só. Não lembro se era timidez ou medo de me relacionar com os outros. Apenas era uma pessoa só. Todo dia ia como um ritual a praça próxima a minha casa. Não era uma praça vistosa, nem tampouco bonita. Tinha ali um coreto, rodeado de um jardim, maltratado pelo tempo. As pessoas circulavam ali, entre os dias que se seguiram da minha semana, pois trabalhava em casa. E eu ficava ali, olhando o movimento daquela tão pequenina praça. Apesar de ser paupérrima, aquela praça me trazia muita paz. Via ali um ou outro animal de rua vira lata, uma ou outra criança que ali brincava. Isso não me distraia dado que pouco me importava. Gostava de estar ali, dia após dia, naquele banco, em frente ao coreto, na minha pequena praça. Era um dia quente, sábado, fim de tarde. Que fim de tarde! Gostava de olhar o crepúsculo, olhar a tarde que ia mansa se despedindo. E ali estava a única coisa que me tiraria daquele momento tão extasiante: um pombo!

Não era um bicho especial. Por sinal mancava da pata esquerda, o que me causava estranheza e repulsa. E o bicho se chegou a mim. Veio, ali mancando no seu passo lento e sofrido, balançando a cabeça, um olhar desconfiado (creio eu!) a se aproximar de mim. Eu, sentado no meu banco, puxei da memória e lembrei que nunca tinha visto aquele pombo. Reparei que era branco, embora as penas fossem encardidas, como pano recém lavado que cai no chão de terra.. Não sabia se era macho ou fêmea, pois a biologia pouco me importava. Mas o pombo era corajoso. Desgarrou-se de seu bando e veio até mim, para de pronto ouvir meu “xô!” “xô!” Ave imunda. Ora! O gesto o assustara mas ao mesmo tempo me deu certa admiração, da coragem daquele pombo. No dia seguinte, lá estava eu sentado, ao fim de mais uma tarde vistosa, aproveitando o sol que ia descansando por entre as árvores e, novamente, o corajoso animal de mim se aproximou. Ouvi vários “Pru!” “Pru!”, como se dissesse: “Não trouxe nada pra mim?”. Aquilo me incomodava, me deixava irritado, tanta gente ali na pracinha e logo eu o pombo mirava? Os dias foram passando, e novamente o pombo se chegava perto do meu banco. Vez ou outra batia as asas como se arriscasse pousar sobre o banco, mas logo via meu braço meio estendido já pronto para espantá-lo. Pois aquele bicho acabou me conquistando. Tanta foi sua insistência que certo dia, ali com um saquinho de amendoins acabei por dar-lhe um. E assim, começou minha insólita amizade.

Todo dia trazia algo diferente e parecia que o pobre pombo já me esperava. Não sabia o que comia, nem se comia, antes de todo fim de tarde me encontrar. Acabei ganhando um confidente que, só repetia o mesmo som e parecia que com tudo que eu dizia concordava. Naquelas semanas, era como se tivéssemos um encontro marcado, todo dia no mesmo horário e no mesmo local. Percebi que, a cada dia, o pombo parecia mais robusto, talvez pelo alimento por mim dado. E o fato, eu, que o achava parvo (mesmo não sendo pessoa, de fato!) era tão esperto que os outros pombos, ao chegar perto de mim espantava. Seus passos, algumas vezes lentos, pela pata atrofiada, não impedia que ficasse ali, perto de mim, como um cão fazendo guarda. Havia dias que eu chegava atrasado e ele, ali sentado no banco, no meu lugar, cedia como quem dissesse: “Já estava guardando o seu lugar!”. Contei muitas histórias e casos ao pombo. E o engraçado que não dei nome a ele (talvez por não saber seu sexo!), mas o chamava de pombo, como carinho ou como quem não sabe o que dizer. E ele foi meu confidente por longos e longos dias, tardes quentes e chuvosas, em que eu de guarda-chuva estava lá dando-o guarida, com um pedaço de pão velho meu molhado da chuva mas que ele não se importava. Uma vez ele olhou pra cima, como quem me reconhecesse, como quem me venerasse. Eu sabia que era um pombo, oras! Sabia que ficava ali, me esperando para o alimento do dia, mas era tão bom ter sua companhia. Uma moça ali passava todos os dias, acenava, para mim e meu pombo, e a timidez que não me deixava conversar com ela só ia aumentando. Meu pombo (sim, já era meu!) me olhava com o olhar de reprovação: “Vá lá homem! Fale com ela!”, mas eu não conseguia, apenas acenava e sorria, sorria e acenava, todos os dias.

E assim os dias passaram, viraram semanas, meses se tornaram. Eu ali, todo fim de tarde com meu pombo, fiel companheiro ao lado, esperando a moça que para nós acenava. Um dia ela não passou, noutro, até passou mais depressa, nem nos olhou. E um dia veio a tristeza, que transformou minha rotina e veio a mudança. O pombo não mais aparecia, Rodei a praça, fui em cada bando ver meu perneta de asa, e dele não sabia. Passou um dia, dois, três, uma semana, um mês e nada. Foi me dando um vazio na alma, um buraco no peito, como se tivesse perdido um ente querido. A moça que todo dia ali passava, perguntava do pombo. Vez ou outra vinha e se sentava. Um dia ela passou e ficou, para me consolar, e ficou no dia seguinte, e no próximo, e no próximo. E o pombo me deixou como presente a presença daquela moça. E hoje ela é minha esposa.

Tenho boas lembranças do meu pombo, tudo o que ele ouviu, tudo o que ele de mim guardou, sua pata ferida, seu caminhar sofrido, sua coragem, seu valor! Me ensinou mais do que eu merecia aprender. Me ensinou a tolerar: o tempo, a vida, as pessoas e também a amar. Não vi seu nascimento, nem sei quando foi sua partida. O que hoje me importa, a sua maior lição, não é nascer, não é morrer, e sim, aproveitar a vida, que é antes da despedida, o nosso trajeto!

Dom Torres
Enviado por Dom Torres em 21/05/2019
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