LEMBRANDO NARINHA

Inverno de 1988. Convidei um colega, de Belo Horizonte, com quem trabalhava junto em São Paulo, para assistirmos a um show do grupo Tarancón, num teatro da região de Vila Mariana, cujo nome agora me escapa.

O público era pequeno, porém seleto. Findo o espetáculo, seguíamos a pé para o metrô. Atrás de nós, vestida num longo sobretudo preto, vinha uma mulher que também estivera no teatro. Fazia muito frio.

Decidimos entrar num bar, para tomar uma bebida forte, que nos ajudasse a enfrentar a baixa temperatura. A mulher também entrou. Sentamo-nos a uma mesa, enquanto ela foi até o balcão, falou com o bar man, depois buscou uma mesa, onde sentou-se sozinha. A mulher era simplesmente Nara Leão! Agora dava para ver.

Falei para meu colega, que quase não acreditou. Estávamos num bar, na Vila Mariana, altas horas da noite, em companhia de Nara leão! Um pouco por timidez, um pouco por não querer importunar, não tive - nem ele teve - coragem de aproximar-me e falar com ela.

Meses depois, quando li, ouvi (e vi na televisão) a notícia de sua morte, decorrente de um câncer de longa data, entendi sua introspecção no bar, seu silêncio e sua aparentemente voluntária solidão.

Desde então, carrego comigo a lembrança daquela que foi a única vez em que estive fisicamente próximo dessa musa da Bossa Nova, que nos deixou precocemente, e do toque "noir" que sua presença emprestou ao bar, naquela madrugada.

Nota: em comentário, mestre Miguel Jacó me lembra que o Teatro é João Caetano. Correto.

José Luiz Barbosa de Oliveira
Enviado por José Luiz Barbosa de Oliveira em 18/05/2019
Reeditado em 19/06/2020
Código do texto: T6650708
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