BÚSSOLA QUEBRADA
Já vivi catando prazer,
dentro de mim, fora de mim,
busca insana sem ponto de partida,
nem de chegada.
Prazer por vezes escancarado,
por vezes mudo,
por vezes frangalhado,
por vezes embriagado,
por vezes coalhado.
Nessa nômade caminhada,
de bússola quebrada,
sem sentir o tato nos pés,
vendo ao redor só cenários de algodão.
Algo me mandava caminhar assim,
roteiro de caso pensado,
aprisionado nos medos,
desafinado nos desejos,
aguaceiro de lágrimas secas.
Nesse mar áspero e cruel,
o álcool era redenção,
a Coca-Cola a bênção,
o fracasso ladainha eterna.
Fui nessa onda desde sempre,
ponto final nunca vinha,
saciedade nunca ancorava,
paz nunca avizinhava.
Até que num belo dia
berrei um chega pra mim mesmo,
não um chega de festim como os outros,
não um chega farsante como os outros,
não um chega oco como os outros.
Então aquele cara que vivia dentro de mim,
cabisbaixo, ferido, assustado, castrado,
foi revirado do avesso,
remexido até a ultima poção de sangue,
traduzido bem além do próprio discurso.
Daí como por encanto, como por milagre,
fiquei desnudo, desarmado, descascado,
desmamado.
Fiquei liberto dos meus próprios encardidos,
solto daquele útero febril do qual vim,
alforriado daquelas amarras sórdidas
que sempre bagunçaram meu ar,
solto daquela cela de aço que tanto me fez sofrer.
Agora refeito, remodelado, renascido,
retomo o curso do meu rio,
recupero meu andar não torto,
reescrevo o roteiro com novos versos,
mudando ecos, erros de gravação,
mudando monstros que tanto fizeram festa,
dentro de mim.
Agora, só agora,
virão novas plateias pra aplaudir,
virão novos gostos pra saborear,
virá nova vida pra viver.