SONHOS
Ouço aquele toque estridente. Levanto. São seis horas e tenho de trabalhar. Enquanto me arrumo e ordeno meu dia no pensamento, ligo a tevê. Vejo um chão azul com meninas saltando. É Austrália, Sidney, emoção. Por algum tempo, não conto o tempo, me vejo na Olimpíada. Não aquela, mas a de um passado cheio de sonhos e buscas incessantes. Queria provar tudo para todos e nada ao mesmo tempo. Muita alegria nos olhos, gestos e sorriso realmente franco.
Os treinos no colégio , os poucos recursos de material disponível ao treinador e sonhos saltando sobre o cavalete. Mesmo que saltos de meninas iniciantes e inseguras, mas saltos de esperança. Talvez, além de faltar incentivo do governo a esta modalidade esportiva, também nos tenha faltado incentivo por parte de nossos familiares. Falta de incentivo não, dinheiro. Não havia como custear passagem e hospedagem para as competições. Quanta indiferença! Larguei tudo. Quantos e quantos jovens são bons em alguma modalidade esportiva e não têm recursos. Talentos perdidos!
Retorno desta fuga súbita e inesperada. Vejo meus filhos vibrando e se arrumando também. Material escolar verificado, merenda arrumada, cabelos escovados, sapatos amarrados e minha memória organizada.
Contenho as lágrimas que teimam em rolar ao ver as meninas saltando. O cheiro de café remete-me à casa de minha avó, sempre oferecendo-o as visiras seu delicioso café e que vendo-me naquele instante nada compreenderia. Vovó não compreende destas paixões e lembranças avassaladoras.
Degusto meu café forte e amargo. Forte como aquelas ginastas quase que robotizadas e amargo como aqueles jurados nada relevantes. Sofro ao ver uma delas tombar. Outras a seguir. Inclusive uma brasileira. Seus técnicos recorreram junto ao Comitê Olímpico Internacional sob alegação de o cavalete estar cinco cm abaixo da altura padrão. Garantem nova oportunidade de salto, menos a brasileira, cujo técnico não questionou como os demais. Nossa atleta conquistou o vigésimo primeiro lugar. Por erro da comissão organizadora deixamos de estar em décimo sexto. São as injustiças do mundo, da vida.
Seus sonhos, as cobranças... Tanta responsabilidade para tão pouca idade. Decepções das quais nem sempre nos recuperamos.
Tenho de correr. Trabalhar. Estou atrasada.