TREZE DE MAIO
Treze de maio, mês das noivas, mês das Marias. Lá no Junco das minhas recordações era mês de se comer e beber refrigerante de graça nos casamentos que pululavam. Não que fosse convidado. Não. Ninguém convidava pirralho pros comes e bebes. Nosso trunfo era Jesus de Enoque - que Deus o tenha em bom lugar - o chefe dos moleques de rua. Ele era coroinha e sabia de todos casamentos e batizados que aconteceriam na igreja.
Os casamentos de lá não tinham brilho nem luxo. E a cidade só tinha luz elétrica até às vinte e duas horas. Acabava a cerimônia e os noivos caminhavam em cortejo até a casa onde haveria a recepção. Para nós, os moleques de rua, era fácil fazer cara de bom moço e se passar por filho de algum convidado. O bom de ser penetra em casamento é isso: o noivo pensa que é convidado da noiva e a noiva que é do noivo. E nesse engano, os penetras são felizes para sempre.
Maio também era mês de trezena a Nossa Senhora de Fátima. No dia treze era o auge, e a igreja lotava. Maria de Venança, a soprano, e tia Naná, contralto, puxavam o coro das centenas de timbres e tessituras das vozes masculinas e femininas cantando "A treze de maio na cova da Iria..." e de repente um moleque melequento interrompia:
- O que é Iria, mamãe?
- Cala a boca, fi do Cão! Vai levá um cascudo!
O moço no banco da frente, senhor simples, da roça, chapéu de palha respeitosamente na mão, penalizado, explicava baixinho para não atrapalhar o hino:
- Iria é como se uma pessoa dissesse que ia e não isse, entendeu?
- E a cova?
- É porque Jesus quando morreu iria pra cova, mas colocaram ele numa gruta porque se Ele tivesse sido enterrado não poderia ressuscitar. Por isso que se diz "cova da iria".
E assim, aquele povo temente a Deus e devoto de Nossa Senhora do Amparo, preenchia de sonoridade o silêncio assustador da noite no sertão.
E hoje ainda ecoam nos meus tímpanos e na minha alma carcomida pelas dores do mundo aquelas vozes sincronicamente melódicas a cantar louvores de fé e esperança numa boa colheita, pois era da terra que eles tiravam o seu parco sustento e ainda sobrava um pouco para a cachaça e quitar suas dívidas com o padre.