PELOS CAMINHOS DA VIDA
“Nada é mais terrível do que uma ignorância ativa.” (Goethe)
Sonhos e recordações povoam a mente com lembranças dos momentos vividos com amigos, fatos marcantes do passado. E, o presente visto comparativamente é muito pobre. O tempo era diferente do aqui e agora. Tinham-se metas sociais e objetivos de vida sempre na perspectiva de ajudar a tecer o futuro. O futuro utópico. Velhos tempos onde “navegar era preciso”.
É só prestar atenção nas letras das músicas de sucesso nas décadas de 1960 a 1980. Milton Nascimento e Fernando Brant em “Canção da América” cultuam a amizade: amigo é coisa para se guardar do lado esquerdo do peito, debaixo de sete chaves dentro do coração. Roberto Carlos e Erasmo Carlos em “Amante à Moda Antiga” falam do tipo que ainda manda flores, que curte a fantasia dos romances, as cartas de amor, o beijo na mão, que ainda chama de querida a namorada. Nota-se que, o namoro e a amizade à moda antiga não existem mais como antigamente. Desolée.
Esses remetimentos aos costumes assinalados nos poemas musicais revelam um período onde se cultivava a esperança em um futuro promissor e solidário. Os povos envolvidos pela “época de ouro” do capitalismo (de 1945 até 1970) insistiam em reviver o passado que era vital para entender o presente e buscar caminhos futuros. Foi uma época romantizada em que as pessoas eram crédulas e confiantes como expressa a fala de Che Guevara: “hay que endurecerse pero sin perder la ternura jamás” Se dita ou não por Che não importa, pois o que interessa é apontar o “espírito da época” em que a “subjetividade”(pensamento, valores, emoções) importava tanto quanto à “objetividade” (realidade, factual, racional).
O pano de fundo que embasava a “amizade” era a vontade política de atingir a fraternidade entre os povos em busca do avanço civilizatório. Mas nos dias de hoje fala-se mais em retrocesso à barbárie e, na política como atividade de funcionário público corrupto. A sociedade e o planeta estão andando para traz. É evidente que há um descompasso entre o rápido e criativo crescimento tecnológico e o bloqueio de distribuição destes benefícios para o conjunto da população. Nota-se a destruição acelerada das condições ambientais do planeta Terra.
A tecnologia alterou o contato entre os humanos: antes as amizades eram “presenciais” e, depois foram substituídas por “amizades virtuais”. O distanciamento através dos computadores permitiu a “amizade-facebook”, e o contato direto entre as pessoas é esporádico e superficial. Quase ninguém escreve por e-mail no estilo carta, o comunicado é ligeiro e padronizado como no Whatsapp ou Messenger. O telefone fixo tira o tempo dedicado aos afazeres, melhor mesmo é usar para dar recados. Bom mesmo são as novelas da TV, os games ou os chats que atender ao celular para escutar a tagarelice humana. Falta paciência para contatos intimistas. É maçante ter de escutar o colega na monotonia do trabalho além de aturar familiares e vizinhos invasivos. O cenário é entediante e banalizado. Ainda bem que no smartfone a gente vicia nos memes do dia. A vida deve ser encarada como benção!
Sem que nos apercebamos as máquinas substituíram a interação social preparando o advento dos robôs, que já começam a conviver conosco. Hoje a “amizade” é mais um rótulo do que um sentimento de fato e de direito. É só olhar nas ruas e escutar os latidos que notamos o aumento assustador de animais de estimação que substituem o amigo. Mas esses bichinhos dão trabalho e gastos de manutenção, é mais conveniente investir num robô que seja preparado para atuar como “um amigo à moda antiga”. De preferência programado por manuais de adesão à psicologia positiva, pois devemos escapulir dos problemas de bom astral que é a camuflagem para driblar um cotidiano caótico e excludente. Nunca devemos duvidar da eficácia high tech, afinal estamos no terceiro milênio.
Segundo a nova tendência do pensamento positivo propomos um novo significado ao velho termo com critérios que estabelecem a aproximação com o outro: a) não usar o termo de forma leviana, pode-se falar de colega, conhecido, pois o amigo já está out; b) guiar-se pela simpatia ou contato utilitário e esporádico; c) sempre mostrar a sua face divertida; d) é aconselhável pesar os defeitos e qualidades, verificar se é mais prudente apostar nos defeitos, pois “os semelhantes se atraem” por temperamento, idiossincrasias, preferências e gostos; e) lembrar que “o amigo à moda antiga” é uma forma de amor, é mais emoção que razão, é tão idealizado quanto “o amor à primeira vista”; f) é recomendável ter contatos “livres, leves e soltos”; g) só se deve confiar nestes critérios para manter um relacionamento cordial, já que a amizade genuína é um sentimento que não está sujeito às regras.
Espaço e tempo redimensionados tanto pelos efeitos da globalização como pelo tempo guiado de forma linear ao presente. As mutações espaço/tempo determinam as interferências na dualidade homem/sociedade. Essas transformações aparecem na segunda metade do século XX e, na década de 1990 crescem por conta da queda do muro de Berlim, o fim da guerra fria e da perda de centralidade no socialismo. Nessa nova fase há um desencanto social em relação à ciência, ao progresso e à política. Questiona-se a ideia de futuro. Os mass media e o consumo são fatores essenciais para entender o nosso tempo, pois o que importa é o “imediato”, o “aqui e agora”.
Outras tendências reforçam a adesão aos valores focados no indivíduo, no culto ao corpo e na busca de terapias e livros de autoajuda. Cresce o consumo de massa, a defesa das minorias e dos grupos alternativos em luta por “empoderamento” no rastro do crescimento e do papel das classes médias. O mundo se torna mais fragmentado e repetitivo, a violência urbana e a guerra são rotinas diárias. Não se devem omitir as rápidas inovações tecnológicas que permitiram esse novo estilo de vida nas cidades. A disponibilidade para o outro só mesmo com afinidade e amor – valores distanciados do mundo atual. Onde fica a “amizade” diante deste contexto? Continua sendo um dos mais nobres sentimentos amorosos embora esteja “démodé”. Vale ponderar se este sentimento profundo ainda vigora entre nós, pois o outrora lema “navegar é preciso” foi substituído pelo “carpe diem”.
ISABELA BANDERAS
13/05/2019