LEMBRANÇAS DA VIDA DE OPERÁRIO.

O despertador toca, quatro da manhã, segunda-feira, ignorando o sono me levanto sem arrodeio, pulo do alto da (beliche), minha avó ainda dorme, meu tio também. Procuro o chinelo, calço, vou ao banheiro, lavo o rosto, escovo os dentes, troco de roupas. Novamente no quarto pego carteira, chaves, crachá, meu tio acorda.

Na cozinha, procuro qualquer coisa para comer, abro um armário, outro, e outro, nada de interessante, encontro, apenas um pão do dia anterior. Pego o pote de margarina, faca, corto-o, lambuzo-o bem, esquento na frigideira, pego uma xícara de café do dia anterior, ainda está quente, tomo lentamente. Olho o relógio na parede marca quatro e meia, escovo os dentes rapidamente, meu tio levanta, ele também trabalha na mesma empresa que eu e entra no mesmo horário. Diferente de mim, ele não come nada, alguns minutos depois saímos juntos para o trabalho, às ruas da vila Brasilina revelam os seus transeuntes de todos os dias, operários da CBA, como nós, apressados também, silenciosos seguimos caminho.

Às cinco e vinte chegamos ao restaurante da empresa, está vazio, me sento em um ponto mais afastado, dez minutos depois chegam os ônibus trazendo trabalhadores das cidades vizinhas, parando primeiramente em frente ao restaurante, muitos descem, um mundo de gente, todos apressados, desejosos em fazer o desjejum, eu já o fiz em casa, mesmo assim, pego outro pãozinho para mais tarde — meu tio já se debandou, foi comprar um lanche no Emílio, em frente da portaria — aceno timidamente para um e outro colega e vou caminhando sem pressa.

Olho o relógio novamente, dez para às seis, passo a portaria e vou para o meu setor, reforma de fornos, mais conhecido como,'refratário'. Hoje é dia de trabalho duro, secagem de forno, martelete pneumático compactador, 700 batidas por minuto, pasta catódica aquecida a cento e setenta graus, a ser compactada em um forno aquecido à (cem) graus, dez toneladas deste material, serviço pesado, doze homens para executá-lo até o fim do turno. Dos mais de cinquenta homens do setor, sempre sou um dos doze selecionados para essa tarefa, os demais arrumando um jeito escapam em outras escalas. Sempre enfrento o que tiver de enfrentar. Depois do DDS, da escala pronta pelo técnico, coloco meu pãozinho no bolso do uniforme e vou correndo para o local do serviço, salas fornos cinco A, mil metros de sala, cento e quarenta e quatro fornos novinhos, que em breve estarão produzindo 920 quilos de alumínio por dia, a fábrica está crescendo, um movimento gigantesco de funcionários, tanto dos terceiros quanto os diretos. É apenas mais um dia neste movimentado começo de semana, esse final de ano promete muito…

Hoje, dezessete anos depois, lembro-me com saudades daquele áureo tempo. Por quinze anos trabalhei naquela empresa, construí uma história e uma vida, que, infelizmente foi apagada da lista de pagamento da empresa, como tantos outros foram. Hoje, em um balcão de açougue de um hipermercado, comecei tudo novamente, uma nova história, novo recomeço, contudo, a disposição é a mesma daquele jovem operário, magro e cheio de sonhos. Quantas saudades daquele outubro de 2002.

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 12/05/2019
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