CALO DE MÃE
Quando novinha, pele rosada e lisa, cabelos fartos, andava de saltos altos. Sapatos finos, botas e sandálias de acordo com o momento e com minha vontade.
Calo? Só no dedo médio da mão direita, de tanto escrever. Este ainda é presente e até que gosto dele, resultado de minha terapia à base das letras manuscritas. Ele não me incomoda.
Entrada nos anos (que horrível esta construção frasal) surgiu-me um maldito calo no dedo mínimo do pé esquerdo. Atualmente, é o meu maior inimigo. Fez-me voltar rapidamente para casa hoje, pois uma pelotinha doendo no pé é coisa respeitável.
Tentei ajeitar-me com elegância para o passeio no shopping, com direito a almoço e visita à livraria. Saí faceira e perfumada, ares de quem vai passar uma tarde agradável.
Gente bonita (também perfumada e faceira) fazendo o footing entre lojas, cinemas e novidades.
Eis que uma dor (sem educação) fisga e me tira o conforto. Ele, novidadeiro também, deu o ar da (des) graça. Acabou com a faceirice.
Como já havia almoçado, sentei-me num daqueles providenciais bancos de shoppings. Quem os idealizou deve ter pensado nessas horrorosas novidades de pés que vão dobrando o Cabo da Boa Esperança.
Teimei, recusei-me a comprar chinelos, fui à livraria e comprei dois livros, um deles vai me ajudar, sem dúvida... Filosofia do Cotidiano...
Em casa, tirei os sapatos (tanto que gosto deles!), pus os pés pra cima e decidi: vou procurar um especialista, para que cuide deste tormento minúsculo, mas que faz diferença maiúscula nos planos de um bom passeio.
Penso, então, na história que li sobre a mulher que não tinha pés. Já não odeio meu calo.
Vou continuar fazendo meus passeios, "pois quem tem medo de sofrer é incapaz de desejar" e pretendo ser rica, mesmo que seja em espírito e fantasias.
Valeu a filosofia do cotidiano, nas páginas que leio (com os pés pro alto).
Cuidarei do calo depois.
Dalva Molina Mansano
Maio de 2019.