MEU PRIMEIRO PAPAGAIO

Jamais me esquecerei de meu primeiro papagaio.

Estávamos morando com meus avós maternos e era costume passarmos finais de semana na cidade com meus avós.

Como vovó havia vendido a casa da cidade nossa estadia era na casa da vó Julita, minha bisavó.

A casa da vó Mulata, como era tratada, morava com o filho Juarez e sua família, era como "quartel general" situada, na época em frente à velha caixa d'água na cabeceira da praça.

A casa além de hospedar a família da vó Anita quando vinha a cidade era ponto de encontro dos irmãos devido à localização na entrada e saída da cidade para as terras do Abilio.

Foi numa destas estadias, numa manhã de segunda feira todos já se preparavam para partir para a roça. Estávamos só esperando vovô chegar com a camionete para partir. Estava no alpendre observando os meninos que brincavam na praça, naquele dia ensolarado com seus papagaios coloridos e cada um tentando subir mais alto e se exibir mais. Mas ao contrário do que se observa hoje, não havia tentativa de estragar a brincadeira do outro, todos soltavam seus brinquedos em harmonia

Mal percebi que papai acabara de chegar com um embrulho e logo vovô também encostou a camionete em frente chamando por vovó.

⁃ Anita! Chama a Gileite, o Walter e os meninos. (Disse vovô que se manteve na direção.

Na frente com vovô foram a vovó, mamãe com o neném, o Pascoal. Eu fui com papai na carroceria entre os "trem" que compraram para levar pra roça.

Embora já desconfiava o que seria o que papai fora comprar de última hora não hesitei perguntar.

⁃ Pai. O que o senhor comprou? Para quê? - perguntei timidamente.

⁃ Comprei papel de seda, linha 10 ....para fazer um papagaio para você igual dos meninos.

Mal podia conter de alegria e ansiedade para chegar na roça e esperar pelo prometido.

Hora de descarregar a camionete, vovô pegou suas compras levou as para o porão e papai ajudou a vovó levar os "trem" para a dispensa, enquanto mamãe cuidava do menino.

Mal podia esperar terminar a lida. Mas vovó chamou:

⁃ Adarto, vem me ajudar aqui. E depois vai lá na Memba e veja se ela tem um pouco de feijão cozido.

Conforme vovó pediu corri lá na casa do Zé Soares e fui logo encontrei a Memba e pedi o feijão e voltei correndo com uma vasilha com o feijão.

Quando cheguei na fazenda encontrei papai sentado lá no terreiro com um canivete preparando algumas varetas de bambu. Ansioso enchi papai com perguntas e ele calmamente me respondia enquanto trabalhava as varetas alisando as cuidadosamente com o canivete afiado.

Logo ele levantou e tomou o material preparado e subiu as escadas e entrando na varanda onde preparou a mesa, retirando os objetos que lá estava e colocou as varetas, a linha e o papel. E pediu que eu o aguardasse enquanto dirigiu-se à cozinha. Pegou uma colher de polvilho acrescentou um pouco de água e levou ao fogão onde aqueceu e transformou numa cola branca, um grude e colocou numa vasilha.

Na varanda enquanto todo material já estava em cima da mesa estendeu a folha de seda roxa na horizontal e cuidadosamente passou o grude na extremidade e colou a outra folha na vertical de forma que uma armação em cruz fosse colocada como armação.

As varetas foram amarradas (no eixo) cuidadosamente e firme e em seguido circundada com a mesma linha utilizada no amarro.

Eu só observava papai com sua habilidade na sua arte com o bambu, a linha e o papel. Mal pude conter minha ansiedade. Com o adiantamento do trabalho interrompi o que papai estava fazendo indagando:

⁃ Pai, mas vai faltar papel nas beiradas!

Calmamente papai me explicou.

⁃ você está vendo estes pedaços em forma de triângulos que cortei nas bordas inferiores, do rabo?

⁃ Então, assim como a costureira faz, emenda, colando estes pedaços que sobrou nos lados que ficou faltando.

Pai entendi e no final não sobrou quase nada e algumas aparas papai pediu que guardasse para eventuais reparos no caso de algum rasgo acidental!

As colagens já estavam prontas o papagaio já havia tomado forma e eu todo orgulhoso gritava:

⁃ Mãe, mamãe nota, (como chamava vovó) vem ver o meu papagaio, vem mãe...

⁃ Não pode pegar enquanto não secar, tem que esperar....fui alertado.

Mas enquanto ficava lá olhando todo feliz aquele enorme papagaio, todo belo, vermelho e roxo mal podia vê lo singrando os céus!

Mas uma duvida ainda me inquietava, como vou amarrar a linha!?

Nisso papai percebendo minha dúvida disse:

⁃ Assim que secar bem vou fazer o estirante, o cabresto o qual vai sustenta-lo no ar!

Aí depois de receber esta explicação fiquei mais tranquilo embora ainda ansioso.

Almoçamos e logo depois acompanhei atentamente a marcação, (furos) uma cruz centralizada no cento do papagaio onde as varetas se cruzam e estava pronto para ir ao ar.

Colocado de pé na vertical era maior do que eu e por isso fui orientado a ter cuidado no modo de carregar e segurar.

Fomos eu, papai, mamãe e vovó lá para a frente da fazenda soltar o papagaio.

Com a ajuda de papai logo subi-o todo imponente e contrastando com o céu azul e algumas nuvens em forma de algodão de passagem no céu!

Assim que dominei o lindo presente ficamos eu e mamãe (já que o menino estava dormindo) admirando aquele papagaio cada vez mais alto.

Noutro dia aprendi com mamãe a enviar carta, bilhete como dizia ela.

Um disco de papel, cerca de dez centímetros de diâmetro, um furo central e um corte encaixava-se na linha impulsionando a girar e dirigir se ao eixo do papagaio lá no alto. (Mamãe dizia que eram cartas e bilhetes que se mandava aos anjos lá no céu)!

Assim o papagaio, este primeiro, eu e ele passamos muitos dias ensolarados ao lado do belo ipê , em frente à tulha, onde foi minha primeira escola.

Logo aprendi fazer outro, depois que o primeiro, por acidente resolver ficar no alto de uma árvore e não mais voltou!

Fiz um, dois, três é muitíssimo outros...cresci...noutra cidade onde fui estudar vi que os papagaios de lá não eram como o meu até o nome era outro, pipa!

Resolvi fazer um agora, igual o de outrora só que quis inovar e coloquei uma luzinha pequena em cada extremidade cuidadosamente afixada e ligadas com um fio fino ligados à uma pilha pequena centralizada no bordo.

Nas noites enluaradas e frias tendo de cenários de fundo as serras da manteigueiras soltava meu papagaio que subia silenciosamente com suas lâmpadas nas extremidades.

Nas vizinhanças cogitavam sobre aquele objeto silencioso pairado no céu contrastando com o céu estrelado.

Até hoje ainda há quem se lembra e comentam da façanha do menino que soltava papagaio a noite!